Jules Doinel e os Cátaros

Jules Doinel, como alguns sabem, era bibliotecário. Tinha acesso a dezenas, e muitas vezes, raras obras ocultistas. A profissão de Doinel era como uma benção para ele. Por ter um espírito agitado, encontrou paz em meio ao silêncio dos livros, e não demorou muito para se interessar pelas obras ocultistas.
Em uma de suas pesquisas, encontrou um manuscrito que narrava sobre a perseguição aos Cátaros e sobre uma confraria secreta que a Igreja Católica tratou de perseguir. Ficou intrigado! Começou a buscar a origem daquele manuscrito e descobriu que o mesmo vinha de uma antiga livraria Lyonesa, que havia falido e vendido seu acervo (tal manuscrito estaria entre as páginas de um livro que narrava sobre os Essênios).
Doinel, perturbado por não encontrar respostas concretas sobre o manuscrito, se viu obrigado a buscar respostas no meio ocultista. Filiou-se a diversas Ordens ocultistas e percebeu que as pessoas que tinham uma espiritualidade mais avançada, participavam secretamente - por preconceito dos demais - das sessões do espiritismo Kardecista.
Começou então a freqüentar o Kardecismo e qual foi a sua surpresa, quando viu figuras conhecidas do ocultismo participando das chamadas “mesas falantes” (a versão francesa da mesa branca brasileira). Começa então a se dedicar em seu desenvolvimento mediúnico, sempre com o objetivo de obter respostas para o seu intrigante manuscrito. Foi então que, numa determinada sessão, na presença de vários espíritas conhecidíssimos (não citaremos os nomes para não chocar os mais ortodoxos...), sete Entidades espirituais manifestaram-se na sessão. Um deles incorporou em Jules Doinel e os demais seis se materializaram na presença de todos os presentes (conta-se que tal fenômeno provocou um grande mal estar entre os participantes). Era a resposta que Doinel procurava! Tratava-se dos mártires Cátaros que foram queimados na fogueira da Inquisição, e que teriam manifestado naquele dia para consagrar Jules Doinel como Bispo Gnóstico e outorgar-lhe a missão de restaurar a Igreja Gnóstica no mundo.
Doinel, sentindo-se extremamente realizado, voltou aos grupos ocultistas que participava, e com o aval dos altos Dignitários das Ordens mais respeitadas da França, e que outrora presenciaram secretamente o fenômeno, instituiu a Igreja Gnóstica.
Logo em seguida Doinel fez uma aliança com Papus, consagrando-o Bispo. Papus em retribuição, e sentindo a força da Iniciação recebida de Doinel, decretou que a Igreja Gnóstica seria a Igreja oficial dos Martinistas.
Não demorou muito para a Igreja crescer. Pessoas de várias partes do mundo vinham ver o que era aquilo que todos chamavam de “a nova revelação”. A Igreja Católica chegou a emitir uma encíclica condenando a “nova manifestação da heresia Cátara”.
Anos se passaram; Doinel, extremamente instável e assustado com o crescimento da Igreja, e que tinha formação católica, viu-se num dilema entre a fé e a razão, e guiado pela fé, arrependeu-se de sua obra (a Igreja Gnóstica), renunciando ao Patriarcado da Igreja e nomeando o Bispo Jean Bricaud como novo Patriarca. Doinel voltou aos braços da Igreja Católica... Tentou a todo custo ser reconhecido como sacerdote católico, mas ficou satisfeito ao ser absolvido de um processo de excomunhão, ficando apenas como fiel do catolicismo.
Jean Bricaud, agora Patriarca, transformou a Igreja Gnóstica em uma organização sólida, tão sólida que recebeu a sucessão apostólica original de um Bispo ortodoxo (da Igreja Sírio-Jacobita), que tinha se convertido ao Gnosticismo. Assim, a Igreja Gnóstica, além de sua sucessão Cátara, agora possuía a sucessão apostólica, o que a colocaria numa posição confortável perante Roma, impedindo a perseguição e fazendo o Papa “engolir o sapo”.
A grandeza da Igreja Gnóstica, agora reconhecida por Roma (na verdade... tolerada por Roma) provocou um enorme arrependimento em Jules Doinel, que se sentiu traidor de sua missão. Pediu um encontro com Jean Bricaud para voltar a Igreja. Nesse encontro, Jean Bricaud fez questão de reunir todo o Sínodo para testemunhar a conversa, onde Doinel, após explicar sua situação para Bricaud, insistiu em ser recebido de volta à Igreja Gnóstica como Patriarca. Bricaud, um homem inteligentíssimo, explicou a Doinel as razões legais e espirituais para recusar a oferta. Então, por decisão do Sínodo da Igreja, Doinel voltou, não como Patriarca, mas sim como Bispo e como uma espécie de “Past Master” (terminologia maçônica que indica um mestre instalado, mas sem comando na Loja). Era a primeira vez na história que um Patriarca vivo voltava à condição de Bispo. Jules Doinel sempre conviveu com essa culpa.
Em seu leito de morte havia um crucifixo e uma medalha de Abraxas (divindade Gnóstica). Sua vida, cercada de excentricidade, foi marcada pela solidão e pelo arrependimento. Suas últimas palavras foram de agradecimento aos mártires Cátaros. Testemunhas documentaram que ao último suspiro de Doinel, uma névoa branca tomou conta do aposento e, na presença de todos, Doinel aparece em pé, em forma etérea acima de seu corpo que estava deitado na cama, com uma coroa e um cetro Patriarcal, e ao seu lado, três anciãos o escoltavam em direção aos Céus.
Doinel cumpria assim sua missão na Terra com a máxima ocultista: Deus Meunque Jus ou Deus é o meu Direito. Estava consumada a Grande Obra do excêntrico, solitário e grande Hierofante Jules Doinel.
Que o Mestre descanse em Paz!
<< Home