A problemática da sucessão da Rosa+Cruz na visão de Jean Pierre Bayard e Christopher McIntosh

Segundo Jean Pierre Bayard, “após ter brilhado com tamanho fulgor, após ter iluminado homens de valor como Comenius e Johann Valentin Andreae, a primitiva Rosa+Cruz eclipsou-se, murchou; uma tradição impossível de se confirmar, mas inúmeras vezes repetida, assegura que logo após a assinatura do tratado de Vestefália (1648), que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos, os dirigentes do Invisível Colégio abandonaram a Europa ao seu lastimoso destino, indo refugiar-se no Magrebe e no oriente próximo, pelo que tiveram que refazer, em sentido inverso, o périplo do fundador epônimo. E foi apenas por volta de 1710 que um iniciado, que assinava com o nome de Sincerus Renatus, veio a erguer uma segunda versão da Rosa+Cruz, baseando-se na Tradição Universal”.
Comparando as obras editadas por Sincerus Renatus com os manifestos Fama e Confessio, podemos encontrar sensíveis diferenças:
“Nestes últimos predomina o puro espírito do Evangelho [...] ao passo que nos outros se nos depara o reino do silêncio, do incógnito austero, do afastamento da beleza, do celibato, da prática de uma caridade fria e desdenhosa, do trabalho de anos e anos de esforço para um fim desconhecido [...]”.
“Aqueles que vão passar a servir-se do nome Rosa+Cruz denotam uma tendência sempre crescente para começar a acantonar-se na prática da alquimia e da magia”.
Sincerus Renatus publicou 52 artigos que permitiram estruturar a Rosa+Cruz não enquanto “colégio” de Invisíveis, iguais entre si, mas sim enquanto sociedade secreta, hierarquizada.
A Rosa+Cruz original, a do Fama e do Confessio, fora um colégio invisível, uma igreja interior, uma fraternidade. Sem qualquer organização administrativa, congregava num mesmo ideal homens predestinados, ou que como tal se consideravam, a quem o Altíssimo confiara uma missão: sábios, eruditos, clérigos e iniciados. Não estavam separados por quaisquer graus hierárquicos. Raramente se encontravam, mas estavam unidos por uma estima recíproca, pela oração e pela comunidade das aspirações, não estavam “estruturados”. E é precisamente esta ausência de organização e de arquivos que tem levado certos autores a negarem a existência do Invisível Colégio.
A organização da Rosa+Cruz de Ouro já era totalmente diferente. Tratava-se de uma sociedade secreta e não de uma fraternidade livre. Comportava hierarquia de graus, uma ou várias cerimônias de iniciação e uma prévia investigação antes de ser aceita qualquer nova admissão, a qual, por seu turno, estava sujeita tanto a um voto como ao nihil obstat do Imperator e de um conselho diretivo. A Rosa+Cruz de Ouro (Áurea) usava um anel ou uma jóia peitoral, fazendo-se reconhecer, segundo a fórmula corrente, “por palavras, sinais ou toques particulares”, de tal modo que a Rosa+Cruz de Ouro bem depressa começou a ser vista como uma Franço-Maçonaria específica.
A perspectiva de Christopher McIntosh e as duas Ordens da Rosa+Cruz Áurea
Para McIntosh, o rosacrucianismo da época de Andreae apenas em parte se preocupava com a alquimia. Não fossem as posições do alquimista alemão Michael Maier em defesa dos rosacruzes, o movimento poderia ter se desenvolvido numa direção totalmente diferente. Somente um século depois de Maier é que o rosacrucianismo alquímico tornou-se fortemente estabelecido.
Em 1710, portanto, publicou-se em Breslau uma obra intitulada Die wahrhafte und volkommene Bereitung... [A verídica e perfeita preparação da pedra filosofal, da Fraternidade da Ordem Rosa+Cruz de Ouro...]. O autor, “Sincerus Renatus”, era na verdade um pastor de Hartmannsdorf, que estudara teologia protestante em Halle, uma pequena cidade que era um grande centro de estudos alquímicos nos séculos XVII e XVIII. Era um seguidor de Paracelso e Jacob Boehme, e profundamente interessado em medicina e alquimia. A Fraternidade, tal como apresentada por Renatus, deixava de lado o espírito anti-papal dos primeiros rosacruzes e passava a admitir membros católicos. Elegia-se um Imperator vitalício e restringia-se o número de associados a 63. Mas a questão que se coloca por si mesma é se existe realmente uma Ordem por trás do documento de Renatus. A. E. Waite, de sua maneira comumente vaga e cautelosa, diz que o livro de Renatus mostra que “processou-se uma notável mudança no espírito e na forma da Ordem e que isso passou sob uma regra metódica, sugerindo que algo cresceu em silêncio, longe da compreensão comum”.
Contudo, McIntosh destaca que existiram duas Ordens da Rosa+Cruz Áurea que se seguiram uma à outra. A primeira foi a fraternidade alquímica de Samuel Richter (Sincerus Renatus). A segunda foi uma organização maçônica que assumiu o nome de Gold-und Rosenkreuzer (Rosa+Cruz de Ouro). Para ele, esta segunda representa a convergência e a mescla de várias tradições e influências diferentes. O solo onde floresceu era, em parte alquímico e em parte maçônico.
Para compreendermos isso, precisaríamos mergulhar no mundo labiríntico da Maçonaria continental no século XVIII, com toda sua complicada rede de grupos e tendências. Visto em sua inteireza, o Movimento rosacruz é bem mais complexo do que parece.
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