Os Irmãos Primogênitos da Rosa-Cruz por Pierre Montloin e Jean-Pierre Bayard (*)
As associações rosacrucianas que acabamos de enumerar eram conhecidas do mundo profano. Mas já não sucede o mesmo em relação àquela que vamos agora evocar.
Ela intitula-se Ordem dos Irmãos Primogênitos da Rosa-Cruz. O único membro cuja identidade é conhecida chama-se Roger Caro, residente em Saint-Cyr-sur-Mer (Var). Acabou de editar (numa tiragem extremamente reduzida) uma legenda (1) da sua Ordem, onde começa por afirmar a existência dos Irmãos Primogênitos. Mas trata-se de um livro do qual se faz presente o adágio Taoísta: «Tudo aquilo que pode ser dito não merece ser conhecido». Aplicando-se conhecido ao conhecimento integral, inexprimível e informal.
A obra relaciona, histórica e iniciaticamente, os Irmãos Primogênitos à tradição templária, da qual seriam, desde o século XV, os únicos depositários. Eles teriam recolhido aquilo que os processos de 1307 a 1314 tinham pretendido fazer desaparecer (2). Os Irmãos Primogênitos confirmariam igualmente ser os depositários de uma tradição alquímica.
Eis como a legenda explica a ligação existente entre a Ordem do Templo e a Rosa-Cruz; explicação cuja responsabilidade lhe pertence exclusivamente.
Após a dissolução da sua Ordem em 1309, os templários foram perseguidos, aprisionados, mortos. Contudo, alguns deles conseguiram escapar, quer refugiando-se no seio de algumas ordens religiosas, quer ainda exilando-se para a Espanha, para a Alemanha ou para a Inglaterra.
Entre os cavaleiros que desembarcaram na Inglaterra, encontravam-se alguns capelães e homens de armas. Refugiaram-se por algum tempo numa comendadoria situada em Londres, mas, quando o rei da Inglaterra quis aproveitar-se da sua situação de proscritos para se apoderar de todos os bens, emigraram para a Escócia, onde foram recebidos de braços abertos.
Entre eles encontrava-se o barão Guidon de Montanor, que soube convencer o único homem que considerou capaz de voltar a reunir os seus irmãos caídos em desgraça: chamava-se esse homem Gaston de la Pierre Phoebus.
Durante longos e longos meses, o primeiro instruiu o segundo em alquimia. Em, 1316, estes dois «filósofos» conseguiram convencer vinte e cinco companheiros a regressar a França, a fim de levarem a cabo uma missão excepcional.
Reagruparam-se sob um estandarte e tomaram a denominação de Irmãos Primogênitos da Rosa-Cruz. Sendo a filosofia alquímica uma filosofia universal, a sua única missão foi a de perpetuá-la. Contudo, a sabedoria e a prudência exigiam que a Ordem e os seus membros permanecessem totalmente secretos...
A legenda deduz o seguinte:
a-) Os fundadores da Ordem da Rosa-Cruz são antigos templários que, tendo sido desbaratados e perseguidos, começaram por refugiar-se na Inglaterra e seguidamente na Escócia;
b-) Entre estes refugiados havia um alquimista que, em alguns meses, iria instruir um templário exilado;
c-) Tendo em conta a filosofia ensinada, o mais absoluto segredo impunha-se a todos eles.
A questão: Onde é que os templários tinham ido buscar a sua ciência hermética?... responde a legenda: «... Os templários, sob Hassan e Saladino, estudaram todo o tipo de filosofias numa casa da Sapiência à qual tinham acesso. Mas nem todos os cavaleiros do Cristo freqüentavam esta casa da ciência. A maioria mantinha-se mais soldado do que intelectual; o número dos investigadores era restrito: alguns senescais e capelães... ».
Mais tarde, quando o acesso à via real oriental lhes foi fechado, os templários na arte da alquimia perpetuaram este ensino começando por distinguir e, seguidamente, por instruir aqueles dos seus pares aptos a suceder-lhes. Foi assim que Guidon de Montanor e, depois, Gaston de la Pierre Phoebus, vieram a encontrar-se na posse do segredo hermético e puderam, por seu turno, vir mais tarde a instruir alguns dos seus companheiros na fraternidade.
Desde o início o número dos irmãos da Ordem foi fixado em trinta e três. São dirigidos por um Imperator. O atual Imperator é o último elo de uma cadeia iniciática que, nos tempos modernos, compreende os nomes de Eliphas Levi e de William Wynn Westcott, o qual também era membro da Societas Rosicruciana in Anglia (S.R.I.A.). Westcott transmitiu os seus poderes a Liddell Mathers (MacGregor) que era simultaneamente Imperator da Golden Dawn. Sucedeu-lhe um erudito, Sir Leigh Gardner; e, seguidamente, o fundador da Sociedade Antroposófica, o Dr. Rudolf Steiner.
No próprio seio deste grupo antroposófico, Steiner estabeleceu um círculo interior, dividido em três graus. Pratica-se aí um ritual que vem parcialmente reproduzido na obra de Eliphas Levi: Dogma e Ritual da Alta Magia.
O 56º Imperator foi um irlandês, A. Crowley (3). Casado com uma francesa, Caroline Faille, veio para a França e alistou-se em 1915 na Legião Estrangeira, a fim de tratar dos feridos. Em 1916, morreu na frente de batalha.
O 57º Imperator foi Jean-Jacques d’Ossa. Bispo missionário, sempre ia para aonde havia sofrimento, miséria e lágrimas. A sua vida foi um autêntico sacerdócio de altruísmo e de amor.
O atual Imperator (o 59º) tem por hierônimo Pierre Phoebus.
A alquimia dos Irmãos Primogênitos da Rosa-Cruz é simultaneamente espiritual e material. Ou seja, tem por objetivo transmutar o homem vulgar, o profano, num verdadeiro iniciado; e, para o dito iniciado, transmutar o chumbo, metal vil, em ouro, substância divina. Com este duplo fim, os adeptos e os seus discípulos meditam e põem em prática os seguintes quarenta e dois axiomas:
I. Tudo aquilo que podemos levar a cabo por meio de métodos simples não deve ser tentado por meio de métodos complicados. Pois porque é que havemos de nos servir da complexidade para buscar aquilo que é simples?
II. Não há nenhuma substância que possa ser aperfeiçoada sem passar por longo período de sofrimento. Grande é, pois, o erro daqueles que imaginam que a pedra dos filósofos pode ser endurecida sem ter sido previamente dissolvida.
III. A natureza deve ser ajudada pela arte sempre que a energia lhe falte. A arte pode servir a natureza, mas não suplantá-la.
IV. A natureza só em si mesma pode ser aperfeiçoada.
V. A natureza serve-se da natureza, compreende-a e vence-a. Não existe qualquer outro conhecimento para além do conhecimento de si mesmo.
VI. Aquele que não conhece o movimento, não conhece a natureza. A natureza é o produto do movimento. No momento em que cessar o eterno movimento, a natureza inteira cessará de existir. Aquele que não conhece os movimentos que se produzem no seu corpo é como um estranho na sua própria casa.
VII. Tudo aquilo que produz um efeito análogo àquele que é produzido por um elemento composto é igualmente um composto. O Um é maior do que todos os outros números, porque ele produziu a infinita variedade das grandezas matemáticas; mas nenhuma alteração é possível sem a presença do Um, que penetra todas as coisas, e cujas faculdades estão presentes nas suas manifestações.
VIII. Nada pode passar de um extremo ao outro sem a ajuda de um meio-termo. Um animal não pode chegar ao celeste sem ter passado pelo homem. Aquilo que é antinatural deve tornar-se natural antes da sua natureza poder tornar-se espiritual.
IX. Devemos tornar-nos semelhantes a crianças, para que a palavra da sabedoria possa ressoar-nos no espírito.
X. Aquilo que ainda não está maduro deve ser ajudado por aquilo que já alcançou a maturidade. Assim se inicia a fermentação.
XI. Na calcinação, o corpo não se reduz, ao contrário, aumenta de qualidade.
XII. Na alquimia, nada pode dar fruto sem ter sido previamente macerado. A luz não pode luzir através da matéria se a matéria não se tiver tornado suficientemente sutil para deixar passar os seus raios.
XIII. Aquilo que mata produz a vida; aquilo que é causa de morte traz a ressurreição. Aquilo que destrói cria. A criação de uma nova forma tem por condição a transformação antiga.
XIV. Tudo aquilo que encerra uma semente pode ser aumentado, mas não sem a ajuda da natureza. Pois só por intermédio da semente é que o fruto contendo um maior número de sementes pode nascer.
XV. Todas as coisas se multiplicam e aumentam por meio de um princípio feminino. A matéria nada produz se não for penetrada pela Força. A natureza nada cria se não for impregnada pelo Espírito. O pensamento permanece improdutivo se não for tornado ativo pela Vontade.
XVI. Todo o gérmen pode unir-se àquilo que faz parte do seu reino. Todo o ser é atraído pela própria natureza representada noutros seres. As cores e os sons de natureza análoga formam acordos harmoniosos; os animais, da mesma espécie associam-se, unem-se aos germens com os quais possuem afinidades.
XVII. Uma matriz pura dá origem a um fruto puro. Só no santuário da alma é possível revelar-se os mistérios do Espírito.
XVIII. O fogo e o calor só podem ser produzidos pelo movimento. A estagnação é a morte. A alma que não sente petrifica-se.
XIX. Todo o método começa e acaba por um único método: a cozedura. Eis o grande arcano: é um espírito celeste oriundo do Sol, da Lua e das estrelas, e que foi tornado perfeito no objeto saturnino por meio de uma cozedura contínua, até ter finalmente atingido o estado de sublimação e a potência necessária para transformar os metais vis em ouro. Esta operação executa-se pelo fogo hermético. A separação do sutil a partir do espesso deve ser feita juntando-lhe continuamente água; porque quanto mais terrestres são os materiais, tanto mais diluídos eles devem ser. Deve continuar-se até que a alma esteja unida ao corpo.
XX. Toda a obra se executa empregando unicamente água. É a mesma água em que se movia o espírito de Deus no princípio, quando as trevas cobriam a face do abismo.
XXI. Todas as coisas devem voltar àquilo que as produziu. Aquilo que é terrestre vem da terra; aquilo que pertence aos astros provém dos astros; aquilo que é espiritual procede do Espírito e retorna a Deus.
XXII. Onde os verdadeiros princípios faltam, os resultados são imperfeitos.
XXIIII. A arte começa onde a natureza cessa de agir. A arte executa por meio da natureza aquilo que a natureza é incapaz de executar sem a ajuda da arte.
XXIV. A arte hermética não se alcança através de uma grande variedade de métodos. A pedra é una. Não há mais do que uma só verdade eterna, imutável. Ela pode surgir sob muitos e variados aspectos; uma, num tal caso, não é a verdade que muda, somos nós que mudamos a nossa forma de concepção.
XXV. A substância que serve para preparar o Arcanum deve ser pura, indestrutível e incombustível. Ela deve estar isenta de elementos materiais grosseiros, e ser inatacável à dúvida e à prova do fogo das paixões.
XXVI. Não procureis o gérmen da pedra dos filósofos no seio dos elementos. Pois é só no centro do fruto que pode ser encontrado o gérmen.
XXVII. A substância da pedra dos filósofos é mercurial. O sábio procura-se no mercúrio; o louco procura criá-la na vacuidade do seu próprio cérebro.
XXVIII. Emprega só metais perfeitos. A sabedoria do mundo é simples loucura aos olhos do Senhor.
XXIX. Aquilo que é grosseiro e espesso deve ser tornado sutil e fino pela calcinação. Isso é uma operação bastante penosa e lenta; mas ela é necessária para arrancar a própria raiz do mal.
XXX. Uma ciência desprovida de vida é uma ciência morta; uma inteligência desprovida de espiritualidade não passa de uma falsa luz, de uma de empréstimo.
XXXI. Na solução, o dissolvente e a dissolução devem permanecer juntos. O fogo e a água devem ser tornados aptos a combinarem-se. A inteligência e o amor devem permanecer para sempre unidos.
XXXII. Se a semente não for tratada pelo calor e pela umidade, torna-se inútil. A frialdade contrai o coração e a sequidão endurece-o, mas o fogo do amor divino dilata-o.
XXXIII. A terra não produz quaisquer frutos sem uma contínua umidade. Nenhuma revelação pode ter lugar nas trevas, a não ser por intermédio da luz.
XXXIV. A umidificação tem lugar por meio da água, com qual possui muitas afinidades.
XXXV. Todas as coisas secas tendem naturalmente a chamar a si a umidade de que necessitam para se tornarem completas na sua constituição. O Um, donde saíram todas as outras coisas, é perfeito, e é por isso que as coisas contêm em si a tendência para a perfeição e a possibilidade de a alcançarem.
XXXVI. Uma semente, só por si, é.
XXXVII. O calor ativo produz a cor negra naquilo que é úmido; em tudo o que é seco, a cor branca, e em tudo o que é branco, a cor amarela.
XXXVIII. O fogo deve ser moderado, ininterrupto, lento, igual, úmido, quente, branco, suave, abrasando todas as coisas, contido, penetrante, vivo, inexaurível. É o fogo que desce dos céus para abençoar toda a humanidade.
XXXIX. Todas as operações devem ser feitas num único vaso e sem o retirar do lume. A substância empregue para a preparação da pedra dos filósofos deve ser reunida num local e não dispersa por vários locais.
XL. O vaso deve ser hermeticamente selado, porque, se o espírito encontrasse uma fenda por onde se escapar, a força estaria perdida. Deve haver sempre à porta do laboratório um guarda armado de um gládio de fogo, a fim de examinar todos os visitantes, expulsando os indignos.
XLI. Não abrais o vaso antes da umidificação se ter completado.
XLII. Quando mais a pedra é alimentada, tanto mais a vontade se avoluma. A sabedoria divina é inesgotável; apenas a nossa faculdade de receptividade é limitada.
Notas
(*) excerto adaptado do livro Os Rosa-Cruz, Edições 70, Lisboa-Portugal, 1979.
(1) Legenda, palavra latina que pode ser traduzida por «anais»;
(2) Processo que vieram a culminar na dissolução da Ordem do Templo e na condenação à morte (ou ao exílio) de numerosos cavaleiros desta Ordem Cavaleiresca;
(3) Não confundir com o inglês Aleister Crowley.
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