A F.U.D.O.S.I. foi formada em 1934 “para proteger as liturgias sagradas, ritos e doutrinas das Ordens iniciáticas tradicionais de serem apropriadas e profanadas por organizações clandestinas”. A F.U.D.O.S.I. não era uma Ordem, mas uma Federação Universal de Ordens e Sociedades esotéricas e autônomas, portanto, um órgão administrativo antes de tudo.

“Algumas pessoas, cujas mentes ainda não receberam luz suficiente, desejam saber por que era necessária uma Federação Universal. As Ordens e Sociedades Iniciáticas que, no seu próprio campo de trabalho, desfrutam da mais absoluta e completa liberdade e perfeita autonomia e independência. A esta questão nós podemos responder que, mais que qualquer outra coisa, está no trabalho iniciático que a maior vigilância é indispensável e que uma disciplina internacional estrita e ativa deve ser exercida.

Nós devemos reconhecer e lamentamos a existência de muitos falsos profetas e vários auto-proclamados iniciados que usam, para propósitos egoístas e tirânicos de dominação, o pretexto da iniciação para explorar as pessoas crédulas e sinceras. Era tempo de advertir o público contra estes falsos líderes e contra doutrinas nocivas que eles ensinaram às almas confiantes.

Em cada país, cada Ordem autêntica e regular conhece seus imitadores e tais falsos profetas. Era necessário vigiar estes movimentos clandestinos, expor estes impostores ou instrumentos ocultos e evitar sua força, em todos os países, onde quer que eles estejam operando, e assim evitar qualquer confusão entre as Ordens regulares e autênticas e as Organizações falsas que são prejudiciais ou que ofereçam ensinamentos que nada têm a ver com a Tradição Universal e o Esoterismo.

E também era necessário que as Ordens autênticas tivessem cuidado ao selecionar os seus membros e oficiais e manter os seus adeptos e estudantes no caminho correto das verdadeiras doutrinas, obrigando-os a seguir uma linha estrita de disciplina, trabalho racional, sincero e consciencioso, para evitar ensinamentos radicais e heterodoxia. Este imenso trabalho que era pretendido e que protegia as Ordens contra os seus inimigos internos e exteriores foi efetuado com sucesso pela F.U.D.O.S.I. e continua ocorrendo.” (Jornal da F.U.D.O.S.I., novembro de 1946)

 

Tuesday, April 25, 2006

Uma breve história do Martinismo e da Ordem Martinista

Começaremos com a história do Martinismo e da Ordem Martinista. Devemos fazer uma distinção porque o Martinismo como grande movimento espiritual é muito mais antigo que qualquer organização com esse nome. As primeiras organizações conectadas com o Martinismo tiveram outros nomes e precisamos fazer a observação de que nem Martinez de Pasquallys nem Louis-Claude de Saint-Martin tiveram a intenção de criar Ordens com esse nome.

É necessário antes de tudo apresentar as diferenças que existem entre o sistema de Martinez de Pasquallys e a filosofia de Saint-Martin para que não haja confusões. Faremos uso aqui da palavra Martinismo para designar a todo Movimento, ainda que ao sistema do primeiro seja melhor nomear de Martinezismo.

O Martinismo começou com Martinez de Pasqually e com sua Ordem dos Elus-Cohen ou Sacerdotes Eleitos. Desenvolveu-se em diferentes direções para chegar a nós numa forma modernizada que deve muito a Papus e a seus associados. Seguiremos a evolução histórica de cada ramo do Movimento e também estudaremos a questão das origens iniciáticas e doutrinais do Martinismo. Tudo isso deve ser de grande interesse para todos, mas especialmente àqueles que são elos na Cadeia Iniciática que assegura a transmissão da Luz Gnóstica.


Principais Expoentes do Martinismo Tradicional

Martinez de Pasquallys e os Elus-Cohen

Podemos dizer que nenhum movimento maçônico exerceu maior influência na França no século XVIII que o iniciado por Pasqually, que foi logo conhecido como Martinismo. O nome completo de Martinez era Jaques de Livron Joachim de la Tour de la Case Martinez de Pasquallys. Nasceu em Grenoble, França, provavelmente em 1727. Seu pai nasceu em Alicante, Espanha e este possuía uma patente maçônica outorgada por Charles Stuart, “Rei de Escócia, Irlanda e Inglaterra”, com data de 20 de Maio de 1738, na qual o nomeava Deputado Grão-Mestre com o poder de fundar Templos à Glória do Grande Arquiteto. Essa patente e os poderes que lhe conferia, foram transmitidas, em sua morte, a seu filho, “o poderoso Mestre Joachim Don Martinez Pasquallys, de 28 anos de idade”. Vemos, portanto, que aos 28 anos, Martinez era Mestre Maçom.

Martinez trabalhou durante toda sua vida na criação de um grande movimento espiritualista dentro do marco da Maçonaria. Quando pôde organizar este movimento como Ordem, não maçônica no sentido estrito da palavra, mas composta, exclusivamente, por Maçons, deu-lhe o nome de Ordem dos Cavaleiros Maçons Elus-Cohen do Universo.

A missão espiritual de Pasquallys começou provavelmente ao redor de 1759, mas não há dúvida de que antes desse período, trabalhou ativamente na promoção da Ordem Maçônica como tal. Essa foi a época em que o Alto Grau foi introduzido na Maçonaria, para completar os três graus básicos da Maçonaria Simbólica, ou Azul: Aprendiz, Companheiro e Mestre.

A introdução de graus superiores (Altos Graus) foi amiúde desaprovada pelas autoridades maçônicas que controlavam os Graus Simbólicos. Martinez mesmo não estava envolvido ativamente em criar graus maçônicos, mas que trabalhava para formar uma espécie de organização colateral que tivesse um caráter mais espiritual que a Maçonaria. Contudo, admitia nesta organização somente a Mestres Maçons que houvessem tomado o grau adicional de Eleito.

Já dissemos que antes de fundar a Ordem dos Elus-Cohen, Pasquallys havia trabalhado dentro do marco da Maçonaria. Assim, em 1754, fundou em Montpellier o capítulo maçônico Os Juízes Escoceses.

Entre 1755 e 1760 viaja por toda a França, recrutando seguidores para seu próprio sistema. Em 1760, estava em Toulouse onde foi recebido nas Lojas Unidas de São João. Depois, no mesmo ano, foi recebido na Loja Josué de Foix onde iniciou vários maçons e formou o Capítulo chamado O Templo Cohen.

Em 1761 estava em Bourdeaux onde, graças a sua Patente Stuart e com a recomendação do Conde de Maillial d’Alzac, do Marquês de Lescourt e dos irmãos d’Auberton, foi recebido na Loja La Française.

É nesse local que abre seu “Templo Particular” sob o nome de A Perfeição Escocesa Eleita. Os membros fundadores foram: Conde M. d’Alzac, Marquês de Lescourt, os dois irmãos d’Auberton, de Oasen, de Bobié, Jules Tafar, Morrie e Lecombard. Em 26 de Maio de 1763, Pasquallys mostrou sua Patente Stuart à Grande Loja da França e lhes informou do Templo que havia fundado em Bourdeaux, à Glória do Grande Arquiteto, um Templo com cinco graus de Perfeição dos quais era o Depositário sob a Constituição de Charles Stuart, Grão-Mestre de todas as Lojas espargidas pela face da Terra. O nome dessa Loja se mudou, então, à La Française Elue Ecossaise. Em 01 de Fevereiro de 1765, a Grande Loja da França a aprovou e outorgou patente a essa Loja.

Naquela época a Grande Loja da França não reconhecia os Altos Graus. Os maçons visitantes foram, portanto, recebidos na forma de Loja Azul nos Templos dos Elus-Cohen (o termo Loja Azul se refere aos três primeiros Graus Simbólicos de Aprendiz, Companheiro e Mestre, que constituíam a Primeira Classe dos Elus-Cohen, sob o nome de Maçonaria de São João).

A Segunda Classe, a dos Graus de Portal, era ainda externamente maçônica, mas continha pontos de uma doutrina secreta subjacente.

A Terceira Classe, formada pelos Graus do Templo, constituía os Altos Graus da Ordem. Utilizava artefatos e simbologia maçônica, mas o catecismo estava baseado na Doutrina Geral de Pasquallys. No grau de Grande Arquiteto, idêntico ao do Cavaleiro do Oriente, o membro praticava uma purificação física mediante uma dieta sob a qual se abstinha de alguns tipos de carnes e órgãos de certos animais, algumas gorduras, etc. Esta dieta que era altamente seletiva e que não há o que confundir com o estrito vegetarianismo era similar à dieta dos Levitas, prescrita no Antigo Testamento. O “Grande Arquiteto” realizava “operações” dirigidas a expulsar os Poderes da Escuridão que invadiram a Aura da Terra. Colaborava também em espírito com as operações especiais que realizava o Grão-Mestre, Pasquallys. Esse grau de Grande Arquiteto constituía, na prática, o grau de Aprendiz Réau+Croix.

O Grau Superior de Templo, o de Comendador do Oriente ou Grande Eleito de Zorobabel, é um grau passivo no qual o membro não realiza nenhuma operação. É um período de repouso antes da ordenação na Ordem Sagrada de Réau+Croix. O ensinamento se baseia na lenda de Zorobabel e nele se menciona a Ponte misteriosa que deve ser cruzada pelo candidato aos Mistérios. A palavra Réau+Croix não deve ser confundida com Rose+Croix e não tem nada que ver com rosacruz.

No grau secreto de Réau+Croix, o iniciado é posto em contato com o Mundo do Mais Além (as Esferas dos Poderes Celestiais) mediante a Alta Magia, ou Teurgia. Evoca os Poderes Celestiais na Aura da Terra. Manifestações auditivas e visuais capacitam ao Réau+Croix avaliar sua própria evolução (e a de outros evocadores) e ver se ele (ou eles) foi reintegrado em seus poderes originais.

O grau secreto “desconhecido” de Grande Réau+Croix se supunha que era a permissão para a Prova Suprema da Ordem, a nunca alcançada “operação final” que era a evocação de Cristo Glorioso, o Reparador, Adam Kadmon Reintegrado.

Tenhamos em conta que os Graus de Portal estavam separados dos Graus Simbólicos pelo Grau de Grande Eleito ou Mestre Particular. Este foi o que seria conhecido como “grau de vingança” no qual os votos de segredo são renovados em uma cerimônia realizada para ter o poder mágico de dar castigo ao que renuncie à sua obrigação.

Antes de sua morte, Martinez de Pasquallys havia nomeado como seu sucessor a seu primo Armand Cagnet de Lestère, Secretário Geral do Exército em Port-au-Prince, Haiti. Esse Irmão tinha pouquíssimo tempo para dedicar-se à Ordem e somente podia supervisionar os Templos Cohen de Port-au-Prince e Léogane em Haiti. Ocorreram divisões entre os Templos na Europa. A. C. de Lestère morreu em 1778 depois de haver transmitido seus poderes para Sebastian de las Casas. Este novo Grão-Mestre não intentou reconciliar os diferentes ramos dos Elus-Cohen nem unificar o Rito. Pouco a pouco, os Templos Elus-Cohen foram se fechando.

A Doutrina continuou sendo transmitida, contudo, de pessoa a pessoa ou dentro dos Aeropagoi Cabalísticos compostos por nove membros. Em 1806, “operações” seguiam sendo feitas nas datas de equinócios. Um dos últimos representantes diretos dos Elus-Cohen foi o Venerável Mestre Destigny que morreu em 1868.

Muitos dos discípulos de Martinez se distinguiram por seus escritos, tais como o Barão d’Holbach, que escreveu O Sistema da Natureza, o erudito hebreu e cabalista Duchanteau que é o autor do Calendário Mágico; Jacques Cazotte, famoso autor do Demônio Enamorado; Bacon de la Chevalerie; Jean-Baptiste Willermoz que desempenhou um papel muito importante na Maçonaria; e o célebre “Filósofo Desconhecido” Louis-Claude de Saint-Martin.

Antes que a Ordem dos Elus-Cohen perdesse sua vitalidade, dois eminentes membros preservaram a doutrina original: o primeiro, Jean-Baptiste Willermoz, integrando-a com alguns Ritos da Maçonaria; o outro, Louis-Claude de Saint-Martin, incorporando-a em um sistema modificado de filosofia perpetuado por iniciações pessoais.


Jean-Baptiste Willermoz e os Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa

Jean-Baptiste Willermoz nasceu em Lion, França, em 10 de Julho de 1730. Seu pai, Claude Willermoz foi um comerciante de tecidos. J. B. Willermoz foi educado no Colégio Trindade de Lion. Abriu seu próprio negócio no início de 1754.

Desde 1750, quando tinha vinte anos, Willermoz era Maçom. Em 1752, foi nomeado Venerável Mestre de sua Loja Maçônica. Em 1753 fundou a Loja A Perfeita Amizade da qual foi eleito V.’. M.’. no dia de São João, 24 de Junho. Em 1756 essa Loja se uniu à Loja Mãe de Lion. Sua Patente de regularização pela Grande Loja da França é datada de 21 de Novembro de 1756.

Em 04 de Maio de 1760 os Veneráveis Mestres da Loja A Amizade (20 membros), A Perfeita Amizade (30 membros) e Os Verdadeiros Amigos (12 membros) erigiram, com a aprovação da Grande Loja da França, uma Loja Mãe Provincial chamada Grande Loja dos Mestres Regulares de Lion. Willermoz foi o Grão-Mestre Provincial entre 1762-63 e logo Guardião dos Selos e Arquivista. Em 1763 fundou o Capítulo Soberano dos Cavaleiros da Águia Negra – Rosa+Cruz.

Em Maio de 1767, Willermoz empreendeu uma viagem à Paris, onde se encontrou com Bacon de la Chevalerie, Deputado Grão-Mestre dos Elus-Cohen. Foi iniciado por Martinez mesmo em Versalhes. Em 1772, Willermoz conheceu a existência de uma Ordem Maçônica na Alemanha, chamada de Estrita Observância Templária. Em 14 de Dezembro de 1772 escreveu pedindo ser aceito como membro. Recebeu uma resposta datada de 18 de Março de 1773 de Count Weiller. De 11 a 13 de Agosto de 1773 Count Weiller esteve em Lion onde fundou pessoalmente a Loja da Estrita Observância, chamada Loja Escocesa Retificada A Beneficência.

Em Dezembro de 1777, três anos depois da morte de Martinez, chegou a Lion Rodolphe Salzmann, Mestre dos Noviços do Diretório de Estrasburgo, onde foi recebido como Elu-Cohen. Sabemos que nessas datas a Ordem dos Elus-Cohen sofria divisões internas e falta de liderança. Como muitos outros membros sinceros, Willermoz podia ver que a Ordem estava fracassando e estava ansioso para preservar tudo o que pudesse ser salvo. Com a ajuda de Salzmann e com a aprovação de Bacon de la Chevalerie, Willermoz concebe o projeto de implantar a doutrina secreta dos Elus-Cohen no Rito da Estrita Observância. Planejou fazer isto juntando as duas primeiras classes da Estrita Observância, uma classe superior chamada a Professão que continha dois graus: Cavaleiro e Professo, nos quais a doutrina dos Elus-Cohen seria transmitida, aliviando assim o desaparecimento dos Réau+Croix. Não era sua intenção implantar as “operações” dos Elus-Cohen na Estrita Observância.

Uma reunião, chamada O Convento de Gaul, se desenvolveu de 25 de Novembro a 10 de Dezembro de 1778, em Lion, por provocação de Willermoz. Dedicou-se a reformar a “Província Auvergne da Estrita Observância” e os Templários da França tomaram o nome de Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa (C.B.C.S.) que constitui hoje em dia o Rito Escocês Retificado. Os graus eram: 1º Aprendiz, 2º Companheiro, 3º Mestre, 4º Mestre Escocês, 5º Escudeiro Noviço, 6º C.B.C.S. aos quais se juntam as categorias de Professão dos graus: 7º Cavaleiro Professo e 8º Cavaleiro Grande Professo.

Depois desta reforma Willermoz decidiu que seria correto levar isso ao seio do ramo original, a Estrita Observância alemã. Com isso em mente organizou o Convento de Wilhelmsbad em 1782. Encontrou apoio para seu plano nos Príncipes Fernando de Brunswick e Carlos de Hesse, mas encontrou forte oposição por parte dos Illuminati da Baviera e a hostilidade de François de Saint-Amand, representante dos Philaletos e de Savalette de Lange. Depois de calorosos argumentos, Willermoz e os que o apoiavam tiveram êxito e o título de Cavaleiros Benfeitores (C.B.C.S.) foi adotado por todos os membros da Ordem interna. Formou-se um comitê sob a direção de Willermoz para preparar os rituais dos Altos Graus e os dos graus secretos de Professão. Esse trabalho estava bem avançado quando a Revolução Francesa interrompeu a tarefa de Willermoz. Os Templos “Retificadores” dos C.B.C.S. e dos Elus-Cohen ainda ativos tiveram que se encerrar. Os Irmãos se dispersaram por toda a França.

Depois da Revolução, em 1806, os C.B.C.S. se fizeram ativos de novo na França e se uniram ao Grande Oriente da França, com o qual a Estrita Observância tinha relações amistosas. Em contrapartida, os Elus-Cohen não haviam reiniciado oficialmente seu trabalho. Seu último Grão-Mestre, Sebastian de las Casas, havia dado os arquivos da Ordem aos Philaletos. Em 1806, contudo, Bacon de la Chevalerie, Deputado Grão-Mestre para o Hemisfério Norte, foi aceito com essa capacidade no Grão-Colégio de Ritos do Grande Oriente da França. Tratou de obter a autorização para reorganizar a Ordem dos Elus-Cohen dentro do Grande Oriente, mas foi rechaçado.

O Rito dos Cavaleiros Benfeitores passou à Suíça quando o Diretório de Burgundia transmitiu seus poderes ao Diretório de Helvetia. É desta jurisdição suíça, agora dirigida pelo Grande Priorado de Helvetia, de onde os C.B.C.S. foram reativados na França depois de sucessivas guerras e particularmente a Segunda Guerra Mundial.

Em 05 de Maio de 1824, Jean-Baptiste Willermoz morreu em Lion.


Louis-Claude de Saint-Martin e os Superiores Desconhecidos

Louis-Claude de Saint-Martin nasceu em Amboise, na Província francesa de Turena, em 18 de Janeiro de 1743. Foi advogado em Tours, mas cansado das intrigas dessa vida, entrou no Regimento de Foix e por recomendação de Choiseul; e foi no exército onde conheceu a Grainville que era Elu-Cohen.

Saint-Martin foi iniciado nos Elus-Cohen em 1768. Durante seis anos praticou os trabalhos da Ordem. Gradualmente se sentiu intranqüilo com as “operações” teúrgicas. Ao final de 1770 Saint-Martin deixou o exército e se fez secretário de Martinez. No curso dessa nova atividade visitava a Lion, que havia chegado a ser o centro do Martinismo. Durante essas visitas foi quando escreveu seu livro Dos Erros e da Verdade que publicou em 1775.

Saint-Martin se foi apartando do lado “prático” dos trabalhos dos Elus-Cohen, quer dizer, a prática das operações teúrgicas, preferindo ao “Caminho Interior”. Em 1777, residia em Versalhes, três anos após a morte de Pasquallys. Saint-Martin tentava levar aos Elus-Cohen suas idéias e o misticismo “especulativo” puro. Fracassou em convertê-los e permaneceram fiéis às Operações que Martinez de Pasquallys lhes havia ensinado. Saint-Martin completamente desinteressado nesse tipo de trabalho e havendo fracassado em sua intenção de reformar os Elus-Cohen, transladou sua ação aos círculos herméticos e esotéricos de sua época. Publicou outras obras e sem dar-se conta assumiu o papel de um Mestre. Em Estrasburgo encontrou a Rodolphe Salzmann que era, então, conhecido por suas tradições e comentários sobre as obras de Jacob Boëhme. Saint-Martin se contentou com a Ordem dos Filósofos Desconhecidos e seguiu com sua missão pessoal, fazendo seguidores e discípulos, mesmo sem o querer, viajando extensamente. De Janeiro a Julho de 1787 esteve em Londres e em Setembro do mesmo ano na Itália, estabelecendo contatos em todos os países.

Em 1790 Saint-Martin se separa totalmente de seu trabalho anterior. Em 4 de Julho abandonou a Maçonaria, pedindo que seu nome fosse retirado de todos os registros maçônicos. Isso o forçou, também, dar baixa nos Elus-Cohen. Saint-Martin viajou, então, para a Rússia, onde o Príncipe Galitzin se fez seu discípulo, difundindo os ensinamentos místicos de Saint-Martin dentro da Ordem Russa da Estrita Observância Templária.

Negou-se várias vezes que Saint-Martin houvesse criado uma organização de algum tipo. Isto se apóia na bem conhecida aversão de Saint-Martin pelas sociedades organizadas sobre o modelo maçônico e pelas cerimônias completas, assim como pela falta de evidência positiva. Em respeito a este último ponto, não obstante, não se deve esquecer a diferença essencial entre Sociedades Secretas de tipo maçônico que são conhecidas oficialmente e que deveriam ser mais bem denominadas como “discretas” ou “privadas”, e as Sociedades Secretas reais, cuja existência é desconhecida de forma geral. Na correspondência privada vemos referencias à existência do que, às vezes, se definiu como Sociedade de Iniciados e outras vezes como a Sociedade dos Íntimos. Há que ter em conta o fato de que em ambos os casos essa sociedade escondia seu nome sobre as siglas S:::I:::. Em efeito, todos esses nomes só serviam para indicar que a organização em questão estava constituída por pessoas que levavam o título de Superiores Desconhecidos.

A Sociedade de Iniciados de Saint-Martin estava baseada na Iniciação. Essa era quase sempre uma transmissão ritual, pessoal e privada, de caráter íntimo, que conferia a qualidade de Superior Desconhecido ou S:::I:::.

Sabe-se, por registros e sinais usados depois da assinatura, que Saint-Martin era um Réau+Croix dos Elus-Cohen. Também se conhece por uma carta de Joseph Pont, sucessor de Willermoz, a J. F. Mayer, senador de Metz, enviada em 1829, que Saint-Martin havia transmitido um alto grau dos Elus-Cohen a seu amigo Gilbert. Há que assinalar, ademais, que antes que Pasquallys viajasse ao Haiti, designou Bacon de la Chevalerie como sucessor ao comando dos Elus-Cohen de França com cinco S:::I::: para ajudá-lo: Saint-Martin, Willermoz, de Serre, Duroy d’Hauterive e Lusignan. Essa informação vem do Príncipe Christian de Hesse, Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa e membro da Sociedade Saint-Martin de Estrasburgo. É óbvio, portanto, que Saint-Martin estava capacitado a transmitir os graus dos Elus-Cohen. Contudo, é duvidoso que o grau de S:::I::: transmitido por Saint-Martin dentro da Sociedade dos Iniciados fosse o grau S:::I::: que havia tido nos Elus-Cohen e que correspondia, provavelmente, ao grau de Juiz Soberano, grau administrativo. A Iniciação transmitida por Saint-Martin constituía, portanto, um laço com os Elus-Cohen, devido à sua própria posição dentro dessa Ordem. Não obstante, é duvidoso também que conheçamos exatamente quanta influência dos Elus-Cohen penetrou no Rito de Iniciação de Saint-Martin. Parece razoável aceitar o princípio de que a “essência” da Iniciação, que é “passada” no momento mais íntimo da cerimônia, venha diretamente da Ordem dos Filósofos Desconhecidos e que haja sido revestida com um ritual inspirado parcialmente nos Ritos dos Elus-Cohen. A Sociedade dos Filósofos Desconhecidos existiu pelo menos por 75 anos antes que a Grande Loja Maçônica da Inglaterra. A transmissão pessoal não tinha que ver com a Maçonaria.

Saint-Martin morreu em 1803 deixando muitos discípulos em vários países europeus. Depois de sua morte, seus discípulos prosseguiram a transmissão da Iniciação e a difusão da doutrina do Filósofo Desconhecido. Foram particularmente ativos na França, Alemanha, Dinamarca e Rússia. Em 1821, tiveram lugar iniciações de pessoa a pessoa, pois desde dois anos antes, certos grupos de Iniciadores levavam a transmissão por todos os lados e particularmente pela Itália e Alemanha.


Papus e a Ordem Martinista

Depois da morte de Saint-Martin em 1803, a Iniciação S:::I::: continuou sendo transmitida de pessoa a pessoa dentro de uma organização livremente entrelaçada. Durante o séc. XIX o ensinamento oculto de Pasquallys havia sido transmitido:

a) No seio dos Areópagos Cabalísticos, compostos, cada um, de nove Elus-Cohen que recusaram conformar-se com a decisão de fechar a Ordem e remeter os arquivos aos Philaletos de Savalette de Lange;

b) Por alguns Maçons do Rito Escocês Retificado que haviam recebido as instruções secretas de Willermoz e dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa; e

c) Pelos últimos S:::I::: de Louis-Claude de Saint-Martin.

Nesta última categoria podemos seguir duas linhas distintas de sucessão: Saint-Martin havia iniciado, entre outros, ao Abade de Lanoüe e Chaptal, Conde de Chanteloup. O primeiro iniciou a J. A. Hennequin que, por sua vez, iniciou Henri de la Touche, que iniciou a A. Desbarolles, Conde d’Hautercourt que iniciou Amélia de Boisse-Mortemart. Esta irmã iniciou a Augustin Chaboseau. É interessante assinalar que foi o Abade de Lanoüe quem iniciou a André Chénier, o poeta francês que morreu na guilhotina durante a Revolução Francesa. Chaptal, Conde de Chanteloup, havia iniciado a um Irmão, cuja identidade nunca foi descoberta, mas que iniciou, por sua vez, a Henri Delaage. Quando estava em seu leito de morte, Henri Delaage iniciou a Gérard Encausse, muito mais conhecido como Papus. Isto foi em 1880.

Naqueles dias Gérard Encausse, Augustin Chaboseau e outros jovens intelectuais tinham o costume de se alimentarem juntos, enquanto debatiam assuntos de interesse mútuo. Foi assim que Papus e Chaboseau descobriram que ambos haviam recebido a Iniciação S:::I:::. Papus tomou essa coincidência como um sinal do Céu e começou a trabalhar para criar uma organização que unisse, em seu seio, a todos os que haviam recebido o legado misterioso e que serviria como centro de estudos da Doutrina Martinista e como meio de propagar o Movimento. Em 1884 se realizou um rascunho da constituição desta organização ao qual se deu o nome de Ordem Martinista. Em 1890 se decidiu colocar a Ordem sob o Supremo Conselho de doze membros, com Papus como Presidente e Grão-Mestre. Os doze membros originais desse Primeiro Conselho foram: Papus, Augustin Chaboseau, Stanislas de Guaita, Chamuel, Sédir (Yvon Leloup), Paul Adam, Maurice Barrès, Jules Lejay, Montiére, Charles Barlet, Jacques Burget e Joséphin Péladan. Logo dois deles se demitiram do Conselho: Barrès e Péladan, sendo substituídos por Marc Haven (Lalande) e Victor-Émile Michelet.

Parece que quando Papus criou a Ordem Martinista existiam, ainda, desconhecidos para ele, representantes diretos dos Elus-Cohen e dos Primitivos Martinistas em Lion e fora da França. Por exemplo: os irmãos Bergeron e Bréban-Salomon em Lion, Karl Michelson na Dinamarca e Edward Blitz nos Estados Unidos. Este último entrou em contato com Papus e chegou a ser a “cabeça” visível da Ordem Martinista nos Estados Unidos. Blitz se associou com a Maçonaria e tratou de dar um aspecto maçônico à Ordem Martinista e, nesse sentido, teve seguidores na França: Fugarion e Charles Détré (Téder).

Desgraçadamente Blitz foi demasiado longe em sua interferência com o espírito da Ordem Martinista, que devia fugir do formalismo maçônico, e sua patente foi retirada. Foi substituído pela Srª. Margaret B. Peeke que chegou a ser Imperatriz Geral para os Estados Unidos. Morreu em 1908.

Naquela época as principais obediências maçônicas da França, especialmente o Grande Oriente, eram predominantemente materialistas e compostas por livre-pensadores. À margem do movimento maçônico existiam pequenas Obediências de caráter mais espiritualista. A maioria dos Martinistas estavam conectados com um ou outro desses Ritos. Em particular, como veremos mais adiante, o Rito Antigo e Primitivo da Maçonaria, que compreendia 33 graus, havia se juntado com os Ritos Orientais de Memphis e Mizraïm, compostos de 90 e 96 graus respectivamente, formando uma organização com a qual muitos Martinistas estiveram conectados. Ademais, a Igreja Gnóstica Universal e outras organizações estiveram representadas entre os membros do Supremo Conselho. A Ordem Martinista teve um período de atividade florescente na França e em outros países. Papus foi infatigável em seu labor e introduziu a Ordem inclusive na Corte Russa, onde o Martinismo era conhecido a um século. Diz-se que o Czar Nicolau II foi Mestre de uma Loja que havia dentro do Palácio Real.

Em 1908 Papus e Téder organizaram em Paris um Congresso de Ritos Maçônicos Espirituais, com a intenção de conectar a Ordem Martinista com os Altos Graus da Maçonaria. Em 1911 o Supremo Conselho emitiu um decreto reconhecendo a Igreja Gnóstica Universal como a Igreja oficial do Martinismo. Nessa mesma época Papus entra em contato com algumas Ordens Sufis do norte da África, em especial a Argélia, que à época era uma colônia francesa, mantendo uma relação de amizade com o Shaykh Sidi Ahmad al-Alawi, que havia assumido a Grã-Mestria da Ordem Sufi Darqawiyya em 1909.

Em 1914 Papus e Téder acordaram com Ribeaucourt, Grão-Mestre do Rito Escocês Retificado para criar um Grande Capítulo Martinista, que estaria composto exclusivamente por Maçons de Alto Graus e que atuariam como “ponte” entre a Ordem Martinista e a Maçonaria Escocesa. Desgraçadamente a Primeira Guerra Mundial impediu essa aliança. A morte de Papus em 1916 e a mudança na Grã-Maestria do Rito Escocês Retificado deram fim a esse projeto.

Papus morreu de tuberculose, que havia contraído enquanto trabalhava como médico no exército francês. Teve um papel vital na perpetuação do Martinismo, criando uma Ordem com esse nome e conservando-a unida enquanto esteve vivo. Com sua morte a Ordem Martinista perdeu sua unidade e se dividiu.

Papus foi sucedido por Téder cujo nome real era Charles Détré, que era ajudado por Victor Blanchard que era seu Deputado. Téder morreu em 1918 e foi sucedido por Jean Bricaud. Bricaud decidiu que a Ordem Martinista deveria ganhar se fosse estabelecida sobre uma base firme de Simbologia Maçônica. Decretou, portanto, que a Ordem Martinista admitisse somente Maçons do Terceiro Grau (M.’. M.’.) de qualquer rito e a Sede da Ordem foi transferida para Lion. É por isso que esse ramo da Ordem Martinista chegou a ser conhecido como a Ordem Martinista de Lion.

Essa “maçonização” da Ordem Martinista não agradou a todos os Martinistas e muitos recusaram reconhecer o novo regime que estava impondo restrições a alguns membros e particularmente às mulheres e Irmãs. Decidiram voltar ao sistema das Iniciações Livres, inerentes ao grau de Iniciador Livre e prosseguiram suas atividades de forma independente da Ordem de Bricaud.


A Ordem Martinista pós-Papus

Entre os membros que decidiram preservar o caráter original da Ordem Martinista estava Victor Blanchard, que havia sido Deputado Grão-Mestre de Téder e Bispo da Igreja Gnóstica. Os Martinistas que não aprovavam o caráter maçônico e as restrições impostas na Ordem Martinista dirigida por Jean Bricaud e conhecida sob a denominação de Ordem Martinista de Lion, porque seu Supremo Conselho se reuniu nessa cidade, ficaram muito tempo desorganizados, ainda que trabalhassem segundo a constituição original da Ordem e aceitavam tanto maçons como não, mulheres e homens. Seria errôneo considerar a posição nessa época como o resultado de uma “cisão”. Havia só uma Ordem Martinista, mas nem todos os Irmãos reconheciam a legalidade das restrições impostas por Jean Bricaud e atuavam de acordo com isso. Victor Blanchard estava já formando um núcleo dentro daqueles que queriam manter o sistema das Iniciações Livres. Contudo, Jean Bricaud, morreu em 21 de Fevereiro de 1934 deixando a sucessão a Victor Blanchard. Este sentia que não podia aceitar o Grão-Mestrado da Ordem Martinista de Lion, pois não estava de acordo com sua estrutura e sua natureza maçônica. Constant Chevillon foi eleito, então, Grão-Mestre e a Ordem Martinista de Lion manteve sua estrutura maçônica. Tinha um círculo externo de difusão no Colégio de Ocultismo na Rua Washington, nº. 17, Paris e, como uma antecâmara da Ordem, as duas Lojas de Memphis e Mizraïm Jerusalém Egípcia e Nova Era proporcionavam as qualificações maçônicas que se requeriam para ser membro da Ordem Martinista. Esses membros progrediam simultaneamente nas duas organizações tendo que qualificar-se como Mestre Maçom em Memphis e Mizraïm antes de serem admitidos como Associados e, depois ter que obter outros graus em dito Rito antes de serem admitidos nos graus de Iniciado e de S:::I:::. Entre 1936 e 1939 a Ordem Martinista de Lion manteve sua “Papus” aberta em Paris.

Depois de recusar a sucessão de Bricaud, Victor Blanchard reuniu os Irmãos livres e formou um ramo da Ordem Martinista que se aderia à constituição original da Ordem e desaprovava os requerimentos maçônicos da Ordem Martinista de Lion.

Em 1934, em Bruxelas na Bélgica, em conexão com um Congresso de Ordens Espirituais não-Maçônicas, se desenvolveu uma Convenção Internacional de Martinistas. Em 09 de Agosto, Victor Blanchard foi eleito, por unanimidade, Soberano Grão-Mestre Universal da Ordem, por representantes da França, Bélgica, Áustria, Suíça, América do Norte e do Sul, Dinamarca, etc. O Conselho Supremo da Ordem foi reconstituído e se decidiu acrescentar o adjetivo Sinárquica ao nome da Ordem para distingui-la da Ordem Martinista cuja sede estava em Lion. As qualificações maçônicas para ser membro foram abolidas. Dessa forma renasceu oficialmente a Ordem Martinista e Sinárquica, que marcava o retorno à tradição original da constituição do Supremo Conselho de 1890. Nessa ocasião, no Congresso de Ordens Espirituais não-Maçônicas, estas se organizaram em uma federação conhecida como F.U.D.O.S.I. (Federação Universal de Ordens e Sociedades Iniciáticas) tendo Victor Blanchard como Soberano Grão-Mestre da Ordem Martinista e Sinárquica, e como um dos primeiros três Imperators desta Federação.

Nem todos os Martinistas que divergiam da organização maçônica de Chevillon aceitaram a autoridade de Blanchard. Um deles foi Augustin Chaboseau, que havia estado com Papus desde o princípio. De sua correspondência privada parece deduzir-se que Chaboseau se considerava a si mesmo como um dos fundadores e não podia admitir a autoridade de Blanchard, que era mais moderno na Ordem. Junto com outros Irmãos, Augustin Chaboseau fundou uma terceira Ordem Martinista, que se chamou de Ordem Martinista Tradicional e cujo primeiro Grão-Mestre, Victor-Émile Michelet, foi prontamente sucedido por Chaboseau mesmo. Devido ao prestígio do nome de Chaboseau e as muitas qualidades deste Irmão, esta Ordem, bem organizada, se desenvolveu rapidamente na França, enquanto que a Ordem Martinista e Sinárquica seguia dominante em outros países, particularmente em Suíça e Bélgica.

Em 1939 a Ordem Martinista Tradicional era a Ordem Martinista não-Maçônica mais numerosa. Em 1946 Augustin Chaboseau morreu e deixou sua sucessão ao seu filho, Jean Chaboseau. Contudo, de acordo com a constituição desta Ordem, essa sucessão devia ser confirmada pelo Supremo Conselho. Jean Chaboseau não recebeu o apoio requerido, nem foi confirmado como Grão-Mestre. Essa divisão ameaçava destruir a Ordem e Jean Chaboseau renunciou a sua pretensão e abandonou a Ordem, junto com outros membros do Supremo Conselho.

Como Augustin Chaboseau havia sido, também, Imperator na F.U.D.O.S.I. na qual representava o Martinismo, essa função ficou vaga e foi ocupada por um Imperator interino até que a sucessão da O:::M:::T::: fosse esclarecida. Formou-se um comitê interino, conhecido como o Conselho de Regência, com o fim de manter unida a Ordem enquanto se faziam esforços para tratar de encontrar um Grão-Mestre que pudesse obter o apoio necessário. Enquanto isso, a maioria das Sociedades que compunham a F.U.D.O.S.I. estavam desgastadas com os métodos de propaganda que utilizava uma delas (a A.M.O.R.C.). Realizou-se uma reunião geral, mas a citada Ordem não quis abandonar seus métodos, pelo que a F.U.D.O.S.I. foi dissolvida em 1951. Com ela desapareceu o Comitê de Regência da Ordem Martinista Tradicional e os restos dessa organização foram dissolvidos também. A Ordem Martinista Tradicional desapareceu de cena, deixando um ramo americano que se manteve vivo graças ao corpo rosacruciano associado a ela (a A.M.O.R.C.) e que viria a se expandir – sem autorização – mundialmente nos anos seguintes através do oportunismo de Ralph Lewis (Imperator da A.M.O.R.C.).

Depois da abdicação de Chaboseau e a dissolução da Ordem Martinista Tradicional, um membro do Supremo Conselho da O:::M:::T:::, Irmão Jules Boucher, de Paris, tentou reunir os membros da Ordem Martinista Tradicional em uma nova Ordem, que ele fundou em 1948 e que chamou de Ordem Martinista Retificada. Seu êxito parece haver sido limitado. Jules Boucher morreu em 1955 e não foi empossado como chefe da O:::M:::R:::.

Depois da dissolução da Ordem Martinista Tradicional, muitos martinistas, sobretudo na França, ficaram sem uma organização própria. Alguns encontraram seu caminho na Ordem Martinista Retificada de Boucher, outros na Ordem Martinista de Philippe Encausse, filho de Papus, que havia reativado a Ordem Martinista original, de acordo com a constituição criada por seu pai, mas já com sua Cadeia Iniciática interrompida e com seus rituais originais alterados. O Grão-Mestre da Ordem Martinista de Lion transmitiu a liderança desta Ordem para Philippe Encausse. Essa Ordem teve seu Supremo Conselho, cuja sede estava em Paris e se desenvolveu rapidamente e em 1960 era a Ordem Martinista com maior número de membros. Encausse deixou a Ordem nas mãos de Irenée Séguret, mas posteriormente voltou a tomar as rédeas. Em 20 de Maio de 1978, Encausse cedeu o comando ao Irmão Sitael (Emílio Lorenzo) que preferiu o título de Presidente ao de Grão-Mestre. Sitael é ajudado por sua esposa, a Irmã Sephora, filha de Josep de Via. Ambos nasceram em Barcelona e foram iniciados na Ordem Martinista em 1957.

Depois da 2ª Guerra Mundial alguns Irmãos que possuíam o grau de C.B.C.S. da Maçonaria Escocesa Retificada, decidiram reviver o Martinismo de Willermoz. Nasceu, assim, a Ordem Martinista dos Elus-Cohen, que trabalha nos três graus normais do Martinismo e que é a antecâmara da Ordem “operativa” reativada sob o nome de Ordem dos Cavaleiros Maçons Elus-Cohen do Universo como nos tempos de Martinez de Pasquallys. Foi dirigida pelo Irmão Aurifer (Robert Ambelain).

Robert Ambelain estava de posse da filiação de Chaboseau e em 1942 iniciou a dois amigos. No ano seguinte já havia 25 círculos operando não só em Paris, mas por toda a França. Quando Chevillon foi assassinado, também se uniram a Ambelain alguns membros da Ordem Martinista de Lion. A Ordem ficou estruturada nos seguintes graus:

1ª Série (Ordem Exterior)

1. Associado;

2. Iniciado;

3. Superior Desconhecido.


2ª Série (Ordem Interior)

4. Mestre Cohen ou Superior Desconhecido Iniciador Livre;

5. Mestre Eleito Cohen (equivalente ao Escudeiro Noviço dos C.B.C.S.);

6. Grão-Mestre Cohen (equivalente ao Grande Arquiteto e Aprendiz Réau+Croix);

7. Cavaleiro do Oriente (equivalente ao Grande Eleito de Zorobabel, Cavaleiro Professo e Companheiro Réau+Croix);

8. Comendador do Oriente (equivalente ao Cavaleiro Professo I, Mestre Réau+Croix);

9. Réau+Croix (equivalente ao Cavaleiro Grande Professo, Grão-Mestre Réau+Croix).

Em 1967 Robert Ambelain (Irmão Aurifer) demitiu-se da direção da Ordem Martinista dos Elus-Cohen, cujo comando transmitiu a André Mauer (Irmão Andreas), que a sua vez iniciou e transmitiu sua sucessão a Joël Duez (Irmão Iacobus). Este foi iniciado e nomeado, recentemente, representantes seus nos Estados Unidos (1994) e Espanha (1996).

Em 14 de Março de 1953 Victor Blanchard, Soberano Grão-Mestre Universal da Ordem Martinista e Sinárquica, morreu em Paris com 75 anos de idade. Sob o nome de Paul Yesir havia dirigido durante muitos anos a Igreja Gnóstica Universal da qual era seu último representante. Foi um místico Cristão, um homem de ideais.

À morte de Blanchard foi reconhecido como Soberano Grão-Mestre Sâr Alkmaion (Edward Bertholet) da Suíça. Foi através dele que Louis Bentin (Sâr Gulion), Grão-Mestre da Grande Loja do Reino Unido e a Commonwealth, recebeu sua patente. Sâr Gulion, antes de falecer em meados de 2003, outorgou patentes de Lojas Nacionais da Ordem Martinista e Sinárquica para Barbados, Canadá, França, Nigéria e Brasil.

A Ordem Martinista e Sinárquica (O:::M::: & S:::) – das Ordens Martinistas conhecidas e derivadas de Papus – permanece como a única Ordem Martinista com uma Linhagem ininterrupta, e de forma regular. Mesmo com o enfoque teúrgico acrescido por Blanchard nesta Ordem, sem dúvida, a Sinárquica é a Ordem Martinista que mais se aproxima da Ordem original.

Sâr Gulion já vinha se afastando de suas atividades e com o seu falecimento, a Loja-Mãe do Reino Unido passou por momentos de dificuldades e o sucessor escolhido por ele, que atualmente vive na Irlanda, foi colocado em dúvida quanto a sua sucessão.

No momento, no Reino Unido a O:::M::: & S::: continua viva e ao que parece restam 2 Lojas, sendo a principal delas em Londres que já existe há quase 30 anos. Alguns falam em trabalho silencioso por parte dos britânicos, mas fomos informados também da falta de membros e interesse no Reino Unido. Assim, planeja-se para os próximos anos, talvez em 2007, uma Convenção Mundial da O:::M::: & S::: a ser realizada na Inglaterra ou Irlanda; antes disto, a Loja-Mãe, aquela de Sâr Gulion, lançará seu site na web que poderá ser acessado através de www.martinism.org
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Monday, April 24, 2006

Sobre a origem Islâmica da Rosa+Cruz por Émile Dantinne (Sâr Hiéronymus) ©

Para saber a história da Ordem Rosa+Cruz é indispensável referir-se aos antigos documentos que atestam sua existência na Europa nos princípios do séc. XVII.

O mais importante desses documentos e o mais antigo é chamado: Allegemeine und generale Reformation des gantzen weiten Welte, heneben der Fama Fraternitatis des löblichen Ordens des Rosenkreutzes an alle Gelehrte und Haupter Europae geschrieben… Esse texto anônimo de 147 páginas – em formato de oitava – apareceu em Cassel, vindo da tipografia de Wilhelm Wessel em 1614.

A parte essencial e original do Reformation é a Fama Fraternitatis compreendido entre as páginas 91 a 118 da edição de 1614 (1).

O Fama Fraternitatis fala de uma fraternidade secreta fundada dois séculos antes de (2) cuja vida reconto.

Nascido de uma família nobre, Christian Rosenkreutz ficou órfão em tenra idade. Ele cresceu em um convento do qual saiu à idade de dezesseis anos para empreender uma viagem para a Arábia, Egito e Marrocos (Sédir, Histoire des Rose-Croix, pág. 42).

É durante o curso dessa viagem por países Islâmicos que ele entrou em contato com os Sábios do Leste, que lhe revelaram a ciência harmônica universal derivada do “Livro M”, o qual Rosenkreutz traduziu.

É nos alicerces desse ensinamento que ele concebeu o plano para a simultânea reforma universal religiosa, filosófica, científica, política e artística. Para a realização desse plano ele se reuniu com vários discípulos aos quais deu o nome de Rose-Croix.

O fundador da Ordem Rosa+Cruz pertenceu, como afirmam seus historiadores, a uma família nobre, mas nenhum documento nos permite afirmar isso peremptoriamente. O que é realmente certo é que ele era um orientalista e um viajante.

O Fama Fraternitatis nos diz “que em sua juventude ele empreendeu viagem ao Santo Sepulcro com um irmão P.A.L.. Embora este irmão tenha morrido em Chipre e não tenha visto Jerusalém, nosso irmão C.R. não retornou, mas embarcou para a outra costa dirigindo-se para Damasco, querendo continuar visitando Jerusalém, mas por azar ele adoeceu, tendo que parar a viagem. Quando se recuperou agradeceu aos turcos por lhe terem ministrado algumas drogas (as quais não lhe eram estranhas), sendo que durante sua convalescença entrou em contato com os Sábios de Damasco (Damcar) na Arábia...” (3).

Tornou-se familiarizado com os milagres realizados pelos Sábios e de como a natureza havia se revelado para eles. Não podendo conter sua impaciência, ele fez um acordo com os Árabes para que o levassem à Damcar por certa quantia em dinheiro.

Admite-se que 1378 é a data de nascimento de Christian Rosenkreutz. É incontestável que o início de sua viagem pelo Oriente Médio está situado nos primeiros anos do séc. XV, durante o período de 1389 a 1402, durante a época do Sultão Suleyman I (1402-1410) (4). …mas incontestavelmente antes da grande catástrofe de 29 de Maio de 1453, data da tomada de Constantinopla pelos Turcos. Antes desse fato não há dúvidas que as relações entre a Europa e os países Islâmicos eram bastante normais e que um jovem sábio alemão, amante das coisas árabes, tal como C. Rosenkreutz, não teria perdido a oportunidade de ser aceito nos círculos de estudos nos países Islâmicos.

Apesar da decadência intelectual que marcou o fim do Califado “as universidades do Cairo, Bagdá e Damasco eram de alta reputação” (5).

Não há nenhuma surpresa, em absoluto, que esse jovem sábio alemão tenha ido a Jerusalém e desejado conhecer a filosofia árabe, cuja influência havia influenciado consideravelmente o escolasticismo medieval, desde que Gregório IX havia suspendido a proibição de se estudar Aristóteles e os filósofos árabes (6).

O texto do Fama Fraternitatis no que tange às relações de C. Rosenkreutz com os Sábios de Damasco não é tão claro como se pensa. Sugere Damasco? Essa aldeia na Arábia é chamada Damashqûn, além disso, a antiga capital do reino de Damaceno, capital da Síria, não é totalmente na Arábia.

Em realidade não sugere uma escola totalmente diferente? É necessário notar que a palavra Universidade ou Faculdade corresponde ao nome árabe Madrasa. O autor de History of Lebanon refere-se à “madrasat-ul-hûqûqi fi Bayrût”, que quer dizer Universidade de Direito do Líbano (7).

A palavra Damcar, portanto, permanece misteriosa. Eu consultei vários dicionários: Lane, Kazimirski, Richardson, Wahrmund, Zenker, Belot, Houwa, o Supplement aux dictionnaires arabes de Dozy, o Additions aux dictionnaires arabes de Fagnan, a Enzyklopädie des Islam e o Geschichte der Arabischen Litteratur de Brockelmann. DMCR não é uma raiz árabe.

E, ainda, Damcar não fica próxima a Jerusalém. É em Damcar que ele fortalece seus conhecimentos da língua árabe que lhe permitiu que no ano seguinte traduzisse o “Livro M” para um excelente latim (8).

É muito difícil saber o que o autor pretendia com o “Livro M”. Talvez sugira a tradução de um livro perdido de Aristóteles, apresentando esse título, mas isso apenas parece provável. Considerando que o Fama Fraternitatis cita outros livros por meio de uma carta, pode-se deduzir que a inicial em questão corresponda à categorização que Christian Rosenkreutz fez para os livros que havia traduzido do árabe.

Após três anos de estudos nos quais se concentrou especialmente em medicina e matemática, embarcou do Sinu Arabico para o Egito, onde ele dedicou sua atenção às plantas e animais.

Parece que não esteve no Egito por muito tempo, tendo embarcado para Fez. O que ele diz e que vale ser relembrado: “Todo ano os árabes e os africanos mandam seus deputados eleitos para debater com outros sobre as artes e saber se não há algo melhor que tenham descoberto, ou se não tiveram uma experiência que tenha enfraquecido seus princípios básicos. Então, todos os anos surge algo que aperfeiçoa a matemática, a medicina e a magia” (9). Mas reconhece que “sua magia não era totalmente pura e sua Kabbalah é corrompida por sua religião” (10).

Os Sábios com quem se encontrou em Fez mantinham um contato periódico e regular com outros Sábios de diversos países islâmicos. Os “Elementaristas”, que são aqueles que estudam os elementos, revelaram muitos de seus segredos a ele (11).

Fez era, na ocasião, o centro dos estudos filosóficos e ocultistas: dentre os ensinamentos havia a alquimia de Abu-Abdallah, Gabir ben Hayan, e o Imam Jafar al Sadiq, a astrologia e a magia de Ali-ash-Shabramallishi, a ciência esotérica de Abdarrahman ben Abdallah al Iskari. Esses estudos floresceram durante o Império dos Omayyads (12).

De fato, os segredos que são sugeridos, indicam, sem sombra de dúvidas, que eles formaram os ensinamentos das sociedades secretas. No todo, não sugere os Sabeans, uma sociedade essencialmente heterodoxa que represente uma sobrevivência do paganismo. Inclina-se a acreditar que C. Rosenkreutz encontrou seus segredos entre os Irmãos da Pureza, uma sociedade de filósofos que havia se formado em Basra (Iraque), na primeira metade do quarto século depois da Hégira (622) os quais, sem serem ortodoxos, interpretaram os dogmas e aplicaram-se seriamente à pesquisa científica. Sua doutrina teve como fonte o estudo dos filósofos gregos antigos, tornando-se mais declaradamente numa direção neo-Pitagórica (13). Eles levaram da tradição Pitagórica o hábito de examinar todas as coisas sob o aspecto numérico.

Sua interpretação do dogma permaneceu como segredo, devido à sua natureza heterodoxa.

Por exemplo, a respeito da ressurreição, eles explicam que a palavra ressurreição (qiyamah) é derivada de subsistência (qiyam) e, quando a alma deixa o corpo, ela subsiste por sua essência, e é isso que a ressurreição consiste de fato.

Os Irmãos da Pureza tinham em cada localidade um lugar de reunião, onde os não-membros eram excluídos, onde pudessem discutir seus segredos juntos. Eles se ajudavam mutuamente uns aos outros “como a mão e o pé trabalham para o corpo”.

Há vários graus na Ordem: Mestre de Artes, Governantes ou Pastores de Irmãos; o grau de Sultão representava o poder legislativo e, finalmente, o grau supremo, chamado de Grau Real que conferia um estado de visão ou revelação como aquele alcançado com a morte física.

A parte secreta do ensinamento tinha como objeto o estudo da teurgia: os nomes divinos e angélicos, conjurações, a Kabbalah (al-Jafr), exorcismos, etc. (14).

Os Irmãos da Pureza diferiam dos Sufis, mas estavam unidos em vários pontos doutrinais. Ambas eram ordens místicas derivadas da teologia do Alcorão. O dogma é suplantado pela fé na Divina Realidade (15).

Os Sufis evidentemente distingüiam-se dos Irmãos da Pureza, mas as doutrinas destes tiveram alguns pontos em comum com quase todas as seitas Sufis, com exceção, certamente, da admissão da metempsicose. Seguindo os ensinamentos dos filósofos árabes neo-Platônicos e kabbalistas judeus que frequentemente influenciavam os místicos, eles buscaram a idéia da metempsicose, para representar o castigo da alma impura que deixa o corpo (16).

Seus ensinamentos apresentaram suficientes fertilizações da cruz Cristã para atrair a atenção do Cristão iniciado C. Rosenkreutz. Sua doutrina do Logos que deriva evidentemente dos Evangelhos diferia da idéia Cristã, mas havia entre eles um sincretismo que se descobre nos rituais Rosacrucianos. Na ascensão da alma para Deus, a Iluminação dos Nomes é determinada pela Torah, a Iluminação dos Atributos pelos Evangelhos e a Iluminação da Essência pelo Alcorão. Jesus e Muhammad revelaram o mistério do Invisível (17). Isso reflete bastante o caráter desse sincretismo.

Nota-se que os Irmãos da Pureza não usavam nenhuma vestimenta especial (18); é um fato conhecido que os iniciadores se asseguravam que uma pessoa que poderia sucedê-los praticasse a abstinência, que o autor do Fama Fraternitatis traduziu através de uma imagem árabe “eles se comprometeram com a virgindade” (19), eles curaram o doente. Irei me abster de ditar os nomes dos grandes doutores árabes que são bem conhecidos.

A doutrina Rosa+Cruz da Criação que foi recentemente publicada (20), é encontrada, na sua totalidade, na filosofia de Ibn Sina (Avicenna). Deus não criou o mundo diretamente, mas o Ente Necessário emana uma inteligência pura que é a Causa Primeira. A Causa Primeira conhece o Criador tão necessariamente quanto possível. Dessa multiplicidade de tempo introduz a si mesmo na Ordem da Criação. Essa inteligência é o intelecto ativo, o iluminador de almas. De esfera para esfera (através das dez esferas) o resplendor vai da Pura Inteligência até o nível da matéria.

Deus é então compreendido como Onipotente e criador da Causa Primeira. Ele não poderia ter se abstido de todo o tempo e ter iniciado isso – que significaria uma mudança Nele, deste modo, a criação é eterna.

O Criador não criou a matéria diretamente, mas sim pelos intermediários, os anjos que se identificam com os Primeiros Princípios (21).

É possível que Chr. Rosenkreutz soubesse dos ensinamentos de Ibn Sina ou Abdu’l-Qadir al-Jili (criador da Ordem Sufi Qadiryya) (22), que desenvolveu uma teoria análoga: “O mundo é co-eterno com Deus, mas na ordem lógica, a crença que Deus existe em Si-Mesmo é anterior à crença que as coisas existem em Seus Conhecimentos. Ele os conhece como Ele Se conhece, mas eles não são eternos e Ele é Eterno” (23).

Mohyi-id-Din Ibn-Arabi ensinou que as almas são pré-existentes ao corpo, que elas são de diferentes graus de perfeição e que elas penetram desigualmente as sombras do corpo. O ato de aprender para elas, nada mais é que uma rememoração, uma ascensão de retorno para o local de onde tinham partido inicialmente.

Ibn-Arabi que escreveu o livro “O Centésimo Nome de Deus” usou círculos para expor seu sistema, que é singularmente próximo do “Dignitates Divinae” de Raimundo Lullo, que é considerado como um iniciado e precursor da Rosa+Cruz.

A Teurgia Rosa+Cruz difere pouquíssimo da Teurgia dos Sufis embora esta derive de uma riquíssima angeologia baseada no Alcorão. Ao lado do Querubim está o mais elevado anjo, chamado al-Nun que simboliza o Conhecimento Divino. Ele está posicionado em frente à Tábua Celestial; sob o Trono estão localizados os anjos chamados al-Qalam (as penas) e o anjo al-Mudabbir; os anjos chamados al-Mufassil estão localizados em frente do Imamu’l Mubin (Inteligência Primeira); o Ruh (Espírito) são os objetos do Conhecimento Divino... O Místico Sufi quando alcança o grau de perfeição entra em contato com os anjos. Se por eles, alcança o conhecimento do mundo visível e invisível, também é por eles que ele exerce um poder supra-humano por sobre as coisas, por sobre a humanidade e por sobre os eventos, visto que os anjos aqui evocados não são simples mensageiros de Deus, mas o próprio pensamento de Deus, na medida em que emana da Divina Essência através do Primeiro Criado para a realidade metafísica das coisas. É neste lugar que o Mago Supremo (al sihru’l ali) reside.

No livro “Caminho da Unidade Divina”, o místico Sufi Abd al-Qadir al-Jili explica como o místico obtém, através de uma fórmula, de Deus o que ele deseja (24).


Notas

(1) A tradução francesa por E. Coro (Ed. Rhea, Paris, 1921) compreende 63 páginas. Com o subtítulo “As Jornadas de Christian Rosenkreutz”, Fama Fraternitatis é atribuída a John Valentin Andrea;

(2) C. Rosenkreutz é considerado por muitos historiadores como uma personagem mítica. Contudo, Larousse fornece 1378-1484 como sua data;

(3) Fama, 1921, páginas 21-27;

(4) T. MANN, Der Islam, página 116;

(5) P. KELLER, La question arabe, pág. 17;

(6) A.-M. GOICHON, La philosophie d’Avicenne et son influence en Europe medievale, 1944, pág. 105;

(7) Musawir fi tarik Lûbnâ, pág. 28;

(8) Fama, págs. 33-47. Faz Damcar sugerir uma madrasat (Universidade) cujo nome foi corrompido, talvez Medina, onde as ciências ocultas foram tidas com honra;

(9) Fama, pág. 24;

(10) Fama, pág. 24;

(11) Fama, pág. 26;

(12) C. BROCKELMANN, Geschichte der Arabischen Litteratur, tomo II;

(13) CARRA DE VAUX, Les penseurs de l’Islam, t. IV, pág. 107;

(14) CARRA DE VAUX, op. cit., pág. 113;

(15) R. NICHOLSON, Studies in Islamic Mysticism, 1921, pág. 79;

(16) G. VAJDA, Introduction a la pensee juive au moyen age, 1947, pág. 97;

(17) NICHOLSON, op. cit., pág. 138;

(18) BOUCHET, L’esoterisme mussulman (Museen 1910);

(19) Fama, pág. 38;

(20) La pensée at l’oeuvre de Péladan, La philosophie Rosicrucienne, 1947;

(21) GOICHON, Introduction à Avicenna, pág. 32;

(22) Ele é o autor de “al Insanu Kamil... (O Homem Perfeito no conhecimento das Origens)”, uma obra Sufi;

(23) NICHOLSON, op. cit., pág. 103;

(24) NICHOLSON, op. cit., pág. 139.


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© Copyright. Originalmente publicado na revista “Inconnus” de 1951. Traduzido do francês por Elias Ibrahim, e contribuído por Dame Donna da The Order of the Grail. Tradução do inglês ao português feita por Ordem Martinista Sufi. Adaptado, revisto e corrigido pelo Blog.

Saturday, April 22, 2006

O Regime Escocês Retificado e o Grande Priorado de Gálias


O Regime Escocês Retificado é um sistema maçônico e cavalheiresco cristão que foi constituído na França no terceiro quarto do século XVIII.

Depois de um aparente eclipse durante o século XIX, conhece atualmente, e sobretudo depois dos anos 60, uma renovada vitalidade.

O Grande Priorado de Gálias foi criado na Espanha em 1986, onde duas Comendadorias foram a raiz da criação do Grande Priorado da Espanha de K.T. instalado pelo Grande Priorado da Inglaterra em 1994, e foi elevado à Priorado, ficando independentes do Grande Priorado da Espanha enquanto ao Rito e a transmissão própria do Regime Retificado.

Nascido na França, o Rito Escocês Retificado foi, e continua sendo praticado em sua maior pureza e integridade originais sob a égide do Grande Priorado de Gálias, jurisdição independente e soberana que é conservadora e garantidora do Regime. O Grande Priorado de Gálias conserva os rituais em toda a sua pureza e integralidade iniciais, de igual modo que a Constituição Original, o Código Maçônico das Lojas Reunidas e Retificadas da França e o Código Geral dos Regulamentos da Ordem dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa (C.B.C.S.) de 1778. O Grande Priorado de Gálias é o garantidor da prática autêntica e regular do Rito.

É preciso assinalar que a noção do Regime tem a ver com a organização estrutural do Sistema e a do Rito com a prática ritual propriamente dita. As duas expressões: Regime Escocês Retificado e Rito Escocês Retificado não são pois intercambiáveis nem significam o mesmo, ainda que o uso diário as confunda facilmente, possivelmente por causa de suas siglas comuns: R.E.R..

O Grande Priorado de Gálias não é, no sentido preciso do termo, um Grande Priorado Templário. É um Grande Priorado do Rito Escocês Retificado. Entretanto, conforme a vontade formal de seus fundadores, conserva uma filiação espiritual com a antiga Ordem do Templo.

O Regime Escocês Retificado tem por objetivo manter e fortificar, não só a Ordem Interior, mas sim também as Lojas maçônicas, os princípios que são sua base e fundamento:

A fidelidade à religião cristã, fundamentada na fé na Santíssima Trindade;

A total adesão aos princípios e tradições, tanto maçônicos como cavalheirescas do Regime, que se traduzem num aprofundamento na fé cristã e no estudo da doutrina esotérica cristã, ensinada na Ordem;

O aperfeiçoamento do indivíduo pela prática das virtudes cristãs com o fim de aprender a vencer as paixões, corrigir os defeitos e progredir na via da realização espiritual;

A total dedicação à pátria e ao serviço ao próximo;

A prática constante de uma beneficência ativa e esclarecida a todos os homens, sem importar qual seja a sua raça, nacionalidade, situação, religião e suas opiniões políticas ou filosóficas.


Em definitivo, o Regime Escocês Retificado propõe a realização espiritual como finalidade a cada um de seus membros, facilitando-lhe os meios para conseguir-lo, e em convertê-los em homens verdadeiros, templos de Deus.


A origem e a estrutura histórica do Regime Escocês Retificado

Temos como origens históricas: (a) A Maçonaria francesa da época, com a proliferação dos graus mais diversos (Willermoz conhecia todos e praticou muito deles) e que uma vez depurada, seria estruturada em 1786-1787 em um Sistema que levaria mais tarde o nome de Rito Francês, com seus três graus e quatro Ordens, sem esquecer os diversos graus cuja combinação constitui o que veio a se chamar de Escocismo. (b) O Sistema próprio de Martinez de Pasqually, personagem enigmático, embora inspirado, que tanto Willermoz como Louis-Claude de Saint-Martin reconheceram sempre como seu Mestre, Sistema este denominado de Ordem dos Cavaleiros Maçons Eleitos Cohens do Universo. (c) A Estrita Observância, também dita Maçonaria Retificada ou Reformada de Dresde, Sistema alemão em que o aspecto cavalheiresco primava absolutamente sobre o aspecto maçônico, e que pretendia ser, não a herdeira, mas sim a restauradora da antiga Ordem do Templo abolida em 1312.

As duas fontes espirituais são:

A doutrina “esotérica” de Martinez de Pasqually cujo conteúdo essencial versa sobre a origem primeira, a condição atual e o destino último do homem e do universo;

A Tradição cristã indivisível, nutrida pelos ensinamentos dos padres da Igreja.


Diferentemente do que alguns crêem, estas duas doutrinas são uma só e são secretas.

A classe simbólica ou Ordem maçônica, na qual se conferia e levava ao término à iniciação maçônica (também atualmente) estava subdividida em quatro graus, a saber: os graus praticados nas Lojas de São João, também ditas Lojas Azuis (por causa da cor de suas decorações); e o grau de Mestre Escocês de Santo André, praticado nas Lojas de Santo André ou Lojas Escocesas, ditas Lojas Verdes pelas mesmas razões. Sem este quarto grau, a iniciação maçônica fica incompleta. A cerimônia de recepção a este grau recapitula e culmina o conteúdo iniciático e doutrinal dos três que lhe precedem, dando ao conjunto uma total coerência. Ao novo Mestre Escocês de Santo André, lhe é dado a contemplar tudo o que pode esperar até alcançar sua reintegração na Jerusalém Celeste, objetivo da iniciação maçônica.

Estes quatros graus estão fundamentados na reconstrução interior do homem pelo aprofundamento da fé e da prática assídua das virtudes cristãs. Uma vez que o Mestre Escocês de Santo André dá mostras de ter alcançado o grau de realização espiritual, quando prova que efetivamente levou a cabo sua iniciação maçônica, é onde pode ter acesso à Ordem Interior.

A Ordem Interior é uma Ordem de cavalaria cristã de nenhum modo assimilável, nem a um Sistema de altos graus, nem aos graus filosóficos. Comporta duas etapas:

Uma primeira etapa preparatória e transitória que é a de Escudeiro Noviço. A qualidade de Escudeiro Noviço se confere pela cerimônia de investidura. Esta qualidade é, sem embargo, revogável. O Escudeiro Noviço tem como única tarefa preparar-se, durante o prazo de pelo menos um ano, para converter-se em Cavaleiro; mas se durante este período de tempo não mostra a preparação requerida, pode e inclusive deve, segundo o disposto no Código dos C.B.C.S., ser retrocedido a sua condição de Mestre Escocês de Santo André.

A segunda etapa é a de Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa (C.B.C.S.). Esta etapa não é um grau, senão uma qualidade que se confere na cerimônia de armamento. Esta cerimônia se celebra normalmente na presença do Grão Mestre Nacional, e pelo Grão Prior da Ordem dos C.B.C.S. em pessoa, ou na sua falta, por um dignitário designado.

O Cavaleiro tem o dever de obrar ativamente na Ordem e no mundo, para por em prática os ensinamentos morais, religiosos e doutrinais recebidos nas Lojas de São João e de Santo André. Lojas que não abandona e onde deve agora mais do que nunca, dedicar-se ao serviço de seus irmãos e ao de todos os homens, particularmente, o exercício da beneficência.

No século XVIII, existia ainda mais uma classe secreta, a dos Professos. Os Cavaleiros que a compunham se dividiam em duas categorias: os Professos e os Grandes Professos, reunidos em um Colégio Metropolitano. Estes, ainda que comprometidos de maneira total com a Ordem, não exerciam, contudo, mais que componentes dessa classe secreta, não exercendo função de responsabilidade ou direção administrativa alguma, já que estas últimas eram competências unicamente da Ordem Interior; os Professos e Grandes Professos se dedicavam, mediante o estudo e a meditação, a aprofundarem-se na doutrina exposta nos textos (instruções secretas) conservados pelo Colégio Metropolitano, estando encarregados de vivificar a Ordem, tanto por seus conhecimentos como por seu exemplo de vida. Esta classe parece ter desaparecido, ou se por acaso existe, prossegue como na sua origem, com uma existência muito discreta.

Segundo as decisões adotadas no Convento de Gálias e logo confirmadas pelo Convento de Wilhelmsbad, o Regime Escocês Retificado – desvinculando-se assim da Estrita Observância – renuncia uma filiação histórica com a Ordem do Templo, embora conservando com ela uma filiação espiritual, ilustrada pela adoção, neste mesmo Convento, da denominação de Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa, fazendo com isto referência aos pobres cavaleiros de Cristo, origem da Ordem do Templo, e não a Ordem rica e poderosa em que seus sucessores a converteram ao longo do tempo e até a sua dissolução.

Por sua filiação espiritual, o Regime Escocês Retificado reivindica, da mesma forma que a Ordem do Templo, a dupla qualidade cavalheiresca e religiosa. Esta dupla qualidade, que aparece já ao longo dos graus maçônicos e se confere plenamente pelo armamento, não é de se empregar somente no mundo dos séculos XII ou XVII, senão que é atemporal e os meios para se levar a cabo, cuja natureza é essencial, permanecem imutáveis, visto que consistem no colocar em prática cotidiana e universal as virtudes teológicas da , da esperança e da caridade. Isto se expressa nos deveres impostos, não somente aos C.B.C.S., mas sim também ao maçom retificado desde o grau de aprendiz, como são a defesa da santa religião cristã e o exercício da beneficência a todos os homens e em particular aos mais fracos e aos inválidos.


As estruturas hierárquicas e administrativas do Regime

Desde a sua constituição, o Regime tomou segundo as adaptações decididas, primeiro no Convento de Gálias e depois no de Wilhelmsbad, a divisão administrativa que a Estrita Observância reconstituiu e que era da antiga Ordem do Templo. Segundo esta divisão, o território francês estava repartido em três Províncias: a IIª Província, Auvernia, com a cidade de Lyon como sua sede; a IIIª Província, Occitania, com sede em Bordeos; e a Vª Província, Borgonha, com sede em Estrasburgo.

Desde a sua reconstituição em 1935, o Grande Priorado de Gálias é considerado histórica e espiritualmente, como sucessor da Província de Auvernia da qual tem as armas e a divisa. No mesmo espírito, detém os direitos da Província de Occitania. É no ano 1935, que o Grande Priorado Independente de Helvetia, outorga carta-patente ao Grande Priorado de Gálias, estabelecendo-lhe assim com todos os seus direitos e prerrogativas.

No século XVIII, coexistia uma dupla hierarquia, dirigida pelos mesmos dignitários, mas com denominações distintas, com o fim de evitar toda confusão entre a classe simbólica ou Ordem maçônica e a Ordem Cavalheiresca. Esta distinção fundamental subsiste ainda.

Até o ano de 1958, o Grande Priorado de Gálias dirigia a Ordem Interior, enquanto que uma Grande Loja Escocesa Retificada, trabalhando sob os auspícios do Regime Escocês Retificado, conferia os quatro graus maçônicos nas Lojas de São João e de Santo André.

Por um acordo datado de 7 de Julho de 1958, o Grande Priorado de Gálias decidiu a dissolução da Grande Loja Retificada e entregou a gestão dos três primeiros graus à Grande Loja Nacional Francesa, sob cuja autoridade pois suas Lojas de São João, mediante o compromisso das partes signatárias que a prática destes graus seria feito conforme o Código Maçônico das Lojas Reunidas e Retificadas de 1778, cuja validade se via assim oficializada (Artigo 1º do acordo). Toda esta operação foi certamente facilitada pelo fato que a restauração da regularidade maçônica da França foi produzida graças à obra de uma Loja Retificada, a Loja Centre des Amis nº. 1, que foi a origem da fundação, em 1913, da Grande Loja Nacional Independente e Regular para a França e para as colônias francesas, que passou a ser em 1948 a Grande Loja Nacional Francesa. Enquanto as Lojas de Santo André, separadas das Lojas de São João e que deviam ter estado até então intimamente unidas – o que indubitavelmente representa um prejuízo à coerência interna da classe simbólica, foram postas sob a autoridade de um Diretório Escocês (Artigo 4º do mesmo acordo). Esta é a organização que subsiste atualmente.

O Grande Priorado de Gálias – Ordens Unidas está posto sob o governo supremo de um Grão Mestre Nacional que dirige a Ordem assistido por um Conselho Nacional composto de Grandes Dignitários. Um Grande Capítulo, composto com o máximo de 27 Grandes Cavaleiros Capitulares, constitui o órgão deliberante e se reúne ao menos uma vez ao ano. O Grão Mestre é igualmente assistido na sua tarefa pelos Inspetores Gerais. Por outra parte, um Rei de Armas supervisiona assistido por um colégio de Heraldos e Persevantes de Armas, o Armorial do Grande Priorado. Os assuntos administrativos e financeiros são regulados, sob a autoridade do Grão Mestre, por um Grão Chanceler e seus Grandes Chanceleres adjuntos.

A direção da Ordem maçônica reduzida como anteriormente dito, as Lojas de Mestres Escoceses de Santo André correspondem – por delegação do Grão Mestre Nacional – a um Deputado Mestre Geral, o qual preside nas mesmas condições o Diretório Nacional das Lojas Escocesas Reunidas e Retificadas, que é o órgão deliberante e que se reúne ao menos uma vez ao ano. O Deputado Mestre Geral é assistido por um Inspetor Geral das Lojas Escocesas e por um Colégio de Grandes Oficiais.

O território nacional é dividido, no que diz respeito à Ordem Interior, em Prefeituras e Comendadorias, e no tocante a Ordem maçônica, nos Diretórios Provinciais, coincidindo suas competências territoriais. A Prefeitura é dirigida por um Prefeito e por um Capítulo Prefeitorial, que reúne os C.B.C.S. e os Escudeiros Noviços do território. A Prefeitura reagrupa as várias Comendadorias que reúnem, por sua vez, os C.B.C.S. e seus Escudeiros Noviços. O Diretório Escocês Provincial, dirigido por um Deputado Mestre Provincial, vela pela boa execução dos trabalhos das Lojas Escocesas de sua zona sob as diretrizes do Diretório Nacional.

Convém citar que o Grande Priorado de Inglaterra e Gales transmitiu ao Grande Priorado de Gálias, em Setembro de 1992, o grau maçônico de Cavaleiro de São João, Palestina, Rodes e Malta abreviado: Cavaleiro de Malta. Em virtude do qual, o Grande Priorado de Gálias constituiu um Grande Priorado de Malta, reagrupando atualmente seis Priorados de Malta, no seio dos quais este grau de Cavaleiro é conferido aos C.B.C.S. como um complemento da espiritualidade cavalheiresca cristã.

Em 5 de Fevereiro de 2000, e como complemento deste Grande Priorado de Malta, o Grande Priorado da Escócia representado por seu Grão Mestre, consagrou uma Preceptoria de Cavaleiros do Templo e entregou uma patente para a prática da Ordem do Templo (Knights Templar) ao Grande Priorado de Gálias.

É, todavia, vigente uma deliberação do Diretório Escocês de Auvernia, na data de 25 de Abril de 1777, em que autorizava a comunicação dos altos graus em uso nas Lojas antes da reforma (se referia a reforma de Lyon, ou seja, a Retificação) que referendava os graus chamados a constituir alguns anos mais tarde as quatro Ordens do Rito Francês com exclusão dos graus de vingança, expressamente proibidos pelo Código Maçônico das Lojas Reunidas e Retificadas, sendo o ponto culminante desta comunicação a da quarta Ordem Francesa, a do Soberano Príncipe Rosacruz.

Por tudo isto e em virtude da dita deliberação, o Grande Priorado de Gálias (G.P.D.G.), que tem por vocação prosseguir a obra de seus fundadores, decidiu praticar os Altos Graus da Maçonaria Francesa. No ano de 1995, o Grande Priorado de Gálias recebeu uma patente da Holanda, único país no mundo que pratica regularmente estes Altos Graus. Esta transmissão conduziu logicamente a criação em 1997 do Grande Capítulo Geral dos Altos Graus do Rito Francês com o fim de transmitir aos irmãos Retificados as Ordens Francesas em acordo com o Capítulo Xº do Código Maçônico das Lojas Escocesas Reunidas e Retificadas de 1778. Em conseqüência, o Grande Priorado de Gálias agregou a sua denominação o subtítulo de ORDENS UNIDAS que compreende atualmente:

A Ordem dos Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa;

A Ordem Religiosa, Militar e Maçônica do Templo e São João da Palestina, Rodes e Malta;

O Grande Capítulo Geral dos Altos Graus do Rito Francês.



Epítome

Desde a sua criação em 1935, e especialmente desde 1984, o G.P.D.G. se propôs a ser um zeloso defensor do Rito Escocês Retificado, aplicando-se com rigor e vigilância em transmitir um ensinamento espiritual que seja o mais conforme com o espírito dos fundadores do Regime, com a constante preocupação por salvaguardar a especificidade e a identidade do Rito e praticar os autênticos rituais. Esta preocupação pela qualidade iniciática tem sido parceira de um fortalecimento dos laços de união do G.P.D.G. com os Grandes Priorados e as Grandes Lojas do mundo. A seguir, alguns dos acontecimentos mais importantes de sua história recente:

Em 12 de Setembro de 1992, é implantada na França, no marco do G.P.D.G., a Ordem Religiosa Militar e Maçônica dos Cavaleiros de São João de Jerusalém, Palestina, Rodes e Malta. Com o título The Most Eminent & Supreme Grand Master do Grande Priorado da Inglaterra e Gales, Harold Devereux Still, acompanhado de uma importante delegação britânica, procedeu a cerimônia de instalação na presença do Grão Prior da Bélgica, a quem graças esta implantação foi possível. Esta mesma cerimônia teve na véspera lugar em Bruxelas. Os Mui Reverendos Cavaleiros Daniel Fontaine, Marc Bravi e Jean-Claude Tardivat foram instalados Eminentes Priores. Neste mesmo dia foi conferida ao Mui Reverendo Cavaleiro Daniel Fontaine a capacidade de proceder na qualidade de Grão Mestre das ORDENS UNIDAS, qualidade que lhe foi reconhecida solenemente por todos os Cavaleiros presentes, e na mesma cerimônia, se entregou a Sir Harold Devereux Still seu diploma de Grão Mestre Nacional de Honra do GRANDE PRIORADO DE GÁLIAS – ORDENS UNIDAS. No curso da cena que seguiu a cerimônia, Sir Harold Devereux declarou que seus noventa anos e algumas primaveras lhe haviam dado suficiente perspectiva como para, contemplando os acontecimentos do século, ver com certeza que nossa civilização ocidental cristã havia tocado fundo e que o único artesão eficaz para sua retificação seria a maçonaria cristã e singularmente as Ordens cavalheirescas cristãs.

Em 27 de Março de 1993, é firmado em Berlim um tratado de amizade entre o G.P.D.G. e a Grosse LandesLoge der Freimaurer von Deutschland que pratica o Rito de Zinnendorf, muito próximo ao Rito Escocês Retificado.

Em 1995, retorna à França os Altos Graus do Rito Francês. Publicamos em particular a benevolente carta escrita nesta ocasião pelo Grão Mestre da G.L.N.F.: De fato, a deliberação por todos conhecida do Diretório Escocês datada de 25 de Abril de 1777 (ver Cahier Vert nº. 10-12) relativa à possível comunicação aos irmãos que tiveram sido recebidos Escoceses, dos Altos Graus de uso antes da reforma, conhecidos sob a denominação de Escocismo, Cavaleiros do Oriente, Rosacruz, e outros da mesma categoria, estipula que as autoridades do Regime Escocês Retificado poderiam conferir estes graus do Sistema em sete graus do Rito Francês aos Mestres Escoceses de Santo André, graus entre os quais, em particular o de Rosacruz, eram praticados em Lyon por Willermoz e seus amigos antes da fundação do Regime Retificado. A condição implícita era que aquele que conferisse este grau deveria ter recebido de maneira regular. Conforme o espírito dos fundadores, alguns irmãos do G.P.D.G. mostraram desejos de descobrir e praticar o grau de Rosacruz, grau este, muito querido por Willermoz. Buscaram quem o tinha recebido regularmente, e como conseqüência, poderiam regularmente transmitir-lo. Foi então quando puderam comprovar que só a Ordem dos Altos Graus dos Países Baixos era o único Organismo do mundo que praticava regularmente este grau e estava habilitado para transmitir-lo. Foi então logicamente até este Organismo que os Cavaleiros Daniel Fontaine e Marc Bravi, ajudados pelo Grão Mestre do Grande Priorado da Bélgica, Pierre Nöel, dirigiram seus passos, tendo lugar o primeiro encontro em 1991. Sucessivas missivas e correspondências foram trocadas entre ambas as Jurisdições. A partir de 16 de Abril de 1993, vários membros do G.P.D.G. foram recebidos como Soberanos Príncipes Rosacruzes pelo Capítulo DELTA dos Países Baixos. Em 18 de Fevereiro de 1995, o Capítulo francês EX ORIENTE LUX foi consagrado em Eliden, concedendo a ele sua independência nesta mesma ocasião. Forma atualmente, junto com o Capítulo HARMONIA, o Grande Capítulo dos Altos Graus do Rito Francês, constituído em Paris em 29 de Novembro de 1997 e que é parte integrante do G.P.D.G. – ORDENS UNIDAS. (Cf. o folheto Les Cahiers Historiques d’Epitome, nº. 1, Agosto de 1999).

De 12 a 14 de Setembro de 1997, o G.P.D.G. participou na Suécia da quarta Conferência Internacional de Grandes Priorados do Mundo, que recordou e reafirmou o princípio de soberania exclusivo de um só Grande Priorado por país, precisando que toda intervenção de uma Grande Loja fosse considerada como ato de ingerência. Nesta ocasião, os 21 Grandes Priorados presentes reafirmaram seu reconhecimento mútuo baseado em sua legitimidade.

Nos dias 24 e 25 de Abril de 1998, se deu em Gressy (França) o Convento Geral da Ordem, reunindo durante duas jornadas de estudos os Grandes Priorados Retificados de Helvetia, Lusitânia (Portugal) e de Gálias assim como os Priorados da Hispania (Espanha) e Togo, unindo-se finalmente, o Grande Priorado da Bélgica, aos trabalhos da sessão de fechamento. O Convento estudou as diferentes facetas da especificidade do Regime Retificado e elaborou toda uma série de projetos de ação que deverão ser levados a cabo em comum pela família retificada. (Cf. o folheto Convento Geral da Ordem dos C.B.C.S.).

Em 12 de Julho de 1999, o Priorado de Togo foi elevado a Grande Priorado pelo G.P.D.G. que lhe entregou uma carta-patente autorizando-lhe a praticar de maneira integral o Regime Escocês Retificado assim como a Ordem de Malta. Este Grande Priorado foi imediatamente reconhecido pelo conjunto de Grandes Priorados Retificados, assim como pelos Grandes Priorados da Escócia, Inglaterra, Irlanda, Austrália, Nova Zelândia e pelas Grandes Lojas da Suécia e Alemanha, felicitando-se todos por ser o primeiro Grande Priorado criado na África. (Cf. o folheto Les Cahiers Historiques d’Epitome, especial Togo, nº. 2, 25 de Setembro de 1999).

Em 9 de Outubro de 1999, o Grão Mestre do Grande Priorado da Escócia, Roy Scott foi por solicitação sua armado C.B.C.S. na Prefeitura d’Isle de France pelo Grão Mestre das ORDENS UNIDAS (Daniel Fontaine). Em virtude dos laços espirituais fundamentados sobre a filiação templária que unem estes dois Grandes Priorados, o Grão Mestre da Escócia solicitou oficialmente ao G.P.D.G. o outorgamento de uma carta-patente do Regime Escocês Retificado, que lhe foi imediatamente concedida.

Em 5 de Fevereiro de 2000, o Grande Priorado da Escócia, representado pelo seu Grão Mestre e acompanhado por uma importante delegação de Grandes Dignitários, consagrou em Paris uma Preceptoria dos Cavaleiros do Templo (Knights Templar). O Grão Mestre das ORDENS UNIDAS Daniel Fontaine foi instalado Venerável Preceptor de Santo André, Preceptoria que depende por sua vez do Grande Priorado da Escócia e do G.P.D.G.. Neste mesmo dia foi entregue uma carta-patente para a prática da Ordem do Templo (Knights Templar) ao Grande Priorado das Gálias. Esta Preceptoria foi imediatamente reconhecida pelo Grande Priorado da Inglaterra e Gales assim como pelo da Irlanda.

Em 25 de Agosto de 2000, se desenvolveu na Escócia a quinta Conferência Internacional dos Grãos Mestres, na qual o G.P.D.G. foi convidado e assistiu representado pelo seu Grão Mestre e vários Dignitários da Ordem.

Ao recordar todos estes importantes acontecimentos temos por finalidade provar – se é que ainda é necessário – que a projeção do Regime Escocês Retificado no mundo é uma realidade viva, que se nutre de intercâmbios e se reforça com laços sólidos como bem confirmam todas estas solicitações e intercâmbios de patentes. O GRANDE PRIORADO DE GÁLIAS desejou sempre desenvolver-se harmoniosamente junto a outros Ritos reconhecidos internacionalmente com a denominação dos Altos Graus. No entanto, como Ordem Cavalheiresca e Maçônica, tem o dever de guardar e manter a amizade e amabilidade ante o conjunto da comunidade cavalheiresca e maçônica, e mais especialmente em sua família natural, as Ordens e Ritos cristãos.

Friday, April 21, 2006

Uma breve história da Igreja Gnóstica e suas relações com outros Movimentos

Em 1888, o maçom e espírita Jules-Benoît Stalisnas Doinel du Val-Michel (1842-1902) trabalhando como arquivista na Biblioteca de Orléans descobre documentos datados de 1022 escritos pelo Cônego Stephan de Orléans, um dos precursores do Catarismo que foi condenado à fogueira por heresia pela Igreja Romana. Não é nada difícil prever a fascinação que a história trágica e pontuada de heroísmo que envolve o Catarismo em sua resistência contra as forças do Papado teve sobre o espírita Doinel.

Doinel já vinha em seus experimentos de comunicação com os espíritos sendo confrontado frequentemente com visões de aspectos femininos da Divindade sobre várias formas. Isso, associado a um profundo e devotado estudo sobre o Movimento Cátaro e seus precursores, em especial os Gnósticos, levou Doinel a uma crescente convicção da necessidade de restauração do aspecto feminino no ambiente religioso de sua época e qual o papel que ele poderia desempenhar nesse redimensionamento. Porém, o ponto culminante ocorre quando Doinel tem uma visão do Eon Jesus que o encarrega da tarefa de estabelecer uma nova Igreja, consagrando-o como Bispo de Montségur e Primaz dos Albigenses. A partir desse momento, Doinel passa a procurar insistentemente por contatos com espíritos Cátaros e Gnósticos nos mais diversos salões espíritas – levando-o a se associar com Lady Caithness, uma das mais proeminentes figuras do espiritismo francês, discípula de Anna Kingsford e líder do ramo francês da Sociedade Teosófica.

Lady Caithness, que realizava suas comunicações com o além-morte através de um pêndulo sobre um tabuleiro com letras marcadas, já havia em 1881 anunciado ter recebido a comunicação de uma forma espiritual proclamando o início de uma revolução na religião que resultaria na Nova Era de Nossa Senhora do Espírito Santo. É então com Lady Caithness, que Jules Doinel passa a receber comunicações cada vez mais freqüentes solicitando que ele realizasse as tarefas devidas para o estabelecimento de uma Nova Igreja nos moldes gnósticos.

Em setembro de 1889, o Mais Alto Sínodo de Bispos do Paracleto consistindo de 40 bispos cátaros, se manifesta e revela seus nomes para Doinel. Tais nomes mostram em uma longa pesquisa nos registros da Biblioteca Nacional Francesa uma precisão histórica admirável. O Sínodo apresenta-se como sendo capitaneado por Guilhabert de Castres, Bispo cátaro de Toulouse de meados do século XII, que foi um dos mártires do cerco a Montségur.

Através de Guilhabert de Castres e outros, Doinel vai sendo instruído lentamente na fundação da chamada Igreja Gnóstica, a qual se comporia de Perfeitos e Perfeitas (1) e teria como base os ensinamentos do quarto evangelho cristão, o Evangelho de João (2). A Igreja seria administrada por Bispos (homens) e Sofias (mulheres) que seriam eleitos e consagrados segundo o Rito Gnóstico.

Assim, Doinel proclama o ano de 1890 como sendo o ano de início da Era da Gnose Restaurada e assume o ofício de patriarca da Igreja Gnóstica com o nome Valentin II, em homenagem a um dos pensadores gnósticos mais influentes do século V, Valentinus.

Com base nas doutrinas teológicas de Simão Magus, Valentinus e Marcus (3), e com os sacramentos derivados do legado cátaro, fortemente influenciado pela própria Igreja Católica Romana, Doinel compôs a chamada Igreja Gnóstica. A missa Gnóstica, chamada de Fraction du Pain foi composta e a liturgia sacramental foi complementada com a inclusão de alguns sacramentos de origem cátara.

Entre os bispos consagrados por Doinel se encontram figuras de grande proeminência do Ocultismo da época, entre eles temos: Gérard Encausse (1865-1916) mundialmente conhecido como Papus, que foi consagrado como Bispo de Toulouse com o nome de Tau Vincent; Lucien Chamuel, Tau Bardesane, Bispo de La Rochelle; Louis-Sophrone Fugarion, Tau Sophronius, Bispo de Béziers; Marie Chauvel de Chauvigny (1842-1927), Sofia de Varsóvia com o nome de Esclarmonde; e Léonce-Eugène Joseph Fabre des Essarts (1848-1917) como Bispo de Bordeaux, com o nome de Tau Synesius.

Curiosamente em 1895, Jules Doinel subitamente abdica do Patriarcado da Igreja Gnóstica e rompe seus laços com a Maçonaria e a Ordem Martinista – na qual havia sido introduzido por Papus, se convertendo ao Catolicismo Romano. Esse desertar de Doinel provocou uma relativa devastação na Igreja Gnóstica, porém, ela sobreviveu sob o controle de um Sínodo de Bispos até 1896, quando Fabre des Essarts, o Bispo de Bordeaux, poeta simbolista e estudioso do gnosticismo e do cristianismo esotérico foi eleito para suceder Doinel como patriarca.

As razões da defecção de Doinel são obscuras, porém, provavelmente elas estão relacionadas com a sua ligação com Gabriel Antoine Jogand-Pages. E é juntamente com a provável colaboração de Jogand-Pages que, sob o pseudônimo de Jean Kostka, Doinel lança o livro Lúcifer sem máscara – onde ele ataca as organizações com as quais esteve ligado até então, a Igreja Gnóstica, a Maçonaria e o Martinismo.

Gabriel Antoine Jogand-Pages, assinando como Léo Taxil, foi o autor de uma das maiores campanhas da história do Ocultismo. Após uma juventude anti-clericarista, se tornou maçom por um curto período, depois do qual se converteu ao Catolicismo, iniciando uma série de ataques através de livros e artigos contra a Maçonaria, o Rosacrucianismo, o Martinismo, e outras organizações símiles. Em seus ataques, Léo Taxil acusava tais organizações de serem de origem satânica e, portanto, contrárias a toda Civilização Cristã Ocidental.

Durante longos anos Jogand apresentou as acusações contra tais organizações, alegando a realização de ritos inumanos de adoração ao diabo, de orgias obscenas e sacrifícios humanos no interior das mesmas, e da associação de todas elas sob um mesmo comando central secreto que respondia diretamente a satã em pessoa. Tal campanha alcançou tamanha notoriedade que levou Jogand até uma audiência oficial com o Papa Leão XIII. Tal campanha durou até Abril de 1897, quando em uma assembléia composta por membros do clero católico romano e maçons de alto grau, Jogand revelou que tudo não passava de uma grande piada que realizara contra a Igreja, para demonstrar a sua fragilidade e permeabilidade.

Coincidentemente, após menos de dois anos da exposição do engodo promovido por Léo Taxil, Doinel inicia correspondência com Fabre des Essarts. Sendo que em 1900 Doinel requisita sua reconciliação com a Igreja Gnóstica e sua readmissão como Bispo. Fabre des Essarts então reconsagra-o com o nome de Tau Jules, Bispo de Alet e Mirepoix.

Fabre des Essarts juntamente com Louis-Sophrone Fugarion, um estudioso do Catarismo e do Templarismo, haviam iniciado uma ênfase dentro da Igreja Gnóstica para a teologia gnóstica e a Ciência Oculta, remodelando em parte todo o legado de Doinel.

Entre os bispos consagrados por Fabre des Essarts estiveram Léon Champrenaud (1870-1925), Tau Théophane, Bispo de Versailles; René Guénon (1886-1951), Tau Palingénius, Bispo de Alexandria; Patrice Genty (1883-1964), Tau Basilide; e Jean Bricaud (1881-1934), Tau Johannes, Bispo de Lyon. Este último, Jean Bricaud, havia sido educado na Igreja Católica Romana, onde havia iniciado os estudos para o Sacerdócio, porém, renunciou tais em favor do misticismo, se envolvendo com a Igreja de Carmel, fundada em 1839 pelo médium “milagroso” Eugene Vintras (1807-1875) e com a Igreja Joanita dos Cristãos Primitivos, fundada em 1803 pelo revivalista templário Bernard-Raymond Fabrè-Palaprat (1777-1838).

Em 1899, Jean Bricaud conhece Papus, e é introduzido por este em sua Ordem Martinista. Já em 1907, com o encorajamento de Papus, Bricaud rompe com Fabre des Essarts e funda seu próprio ramo da Igreja Gnóstica, cuja estrutura tinha mais paralelos com a Igreja Católica Romana do que com a Igreja Cátara, o que incluía inclusive o rito batismal com água e a ordenação de Sacerdotes. Além disso, a Igreja de Bricaud tinha muitos aspectos derivados do Martinismo, tanto Bricaud quanto Doinel eram Martinistas, Fabre des Essarts não era. A essa iniciativa de Bricaud e de Encausse se junta Fugarion e então é anunciada a fusão no ramo de Bricaud das três “igrejas” gnósticas francesas: a Igreja Gnóstica de Doinel, A Igreja Carmelita de Vintras e a Igreja Joanita de Palaprat – sob o título de l’Église Catholique Gnostique.

Em Junho de 1908, Papus organiza em Paris a Conferência Internacional Maçônica e Espiritualista na qual comparecem inúmeras autoridades do Ocultismo da época, entre eles Theodor Reuss (1855-1923), cabeça da O.T.O., o qual investe Papus de poderes para estabelecer um Supremo Grande Conselho Geral dos Ritos Unidos da Antiga e Primitiva Maçonaria para o grande Oriente da França e das Dependências de Paris, delegando a Papus autoridade sobre os Ritos de Memphis e Mizraïm.

Segundo os documentos publicados posteriormente, Theodor Reuss por sua vez havia recebido de Papus a autoridade Episcopal Primaz sobre a l’Église Catholique Gnostique, a qual passa a figurar em suas publicações como mais uma das organizações que tinham sua “Sabedoria e Conhecimento” concentrados na O.T.O.. Entretanto, Bricaud, Papus e Fugarion mudam o nome de sua Igreja para l’Église Gnostique Universelle (E.G.U.), relegando o nome anterior a Reuss, que passou a se utilizar do mesmo na tradução germânica de die Gnostische Katholische Kirche (G.K.K.).

Em 1911, Fugarion, Bricaud (também conhecido como Tau Jean II) e Papus declaram a E.G.U. como sendo a Igreja Oficial do Martinismo. E em Julho de 1913, após uma longa amizade de Bricaud com o Bispo Louis-Marie-François Giraud, este recebe de Giraud a sua consagração também na Igreja Síria Jacobita Ortodoxa. Tal consagração foi de tremenda importância para Bricaud, pois o colocava em uma válida e documentada sucessão episcopal apostólica, que era inclusive reconhecida pelo Papado como “válida” (4) embora se encontrasse fora de sua estrutura e, portanto, não sendo sancionada pelo mesmo. Esta consagração providenciava para Bricaud e seus sucessores a autoridade apostólica necessária para a administração dos sacramentos Cristãos, o que para a Ordem Martinista – que tinha a maioria de seus membros com fé cristã orientada na corrente Católica Romana – representava uma possibilidade de continuidade de suas práticas cristãs (5), mesmo fora da estrutura Romana.

Em 1916 falece Papus e durante um breve período tanto a Ordem Martinista quanto as seções francesas do Rito de Memphis e Mizraïm e da O.T.O. são capitaneadas por Charles Henri Détré, porém, este também falece (em 1918), sendo sucedido por Jean Bricaud.

Em 1919, Bricaud reconsagra Theodor Reuss como Bispo, de modo a delegar a este também a continuidade apostólica – e o aponta como detentor de todo o Legado Gnóstico da E.G.U. para a Suíça.

Em 1917, após a morte de Fabre des Essarts, o patriarcado da Igreja Gnóstica de Doinel havia passado para Léon Champrenaud, o qual foi sucedido por Patrice Genty. Genty por sua vez, em 1921, a favor da Igreja de Bricaud, passa a denominar o ramo Gnóstico de Doinel como l’Église Gnostique de France.

Entre os bispos consagrados por Bricaud estava Victor Blanchard (Tau Targelius), que se tornou uma oposição ao próprio Bricaud dentro da Ordem Martinista, gerando uma cisma dentro desta e iniciando o seu próprio ramo Martinista.

Dentre os bispos consagrados pelo próprio Blanchard estava Robert Ambelain (Tau Robert), o qual fundou seu próprio ramo da Igreja Gnóstica: l’Église Gnostique Apostolique em 1953 – mesmo ano da morte de Blanchard.

Após a morte de Bricaud em 1934, o patriarcado da E.G.U. passa para Constant Chevillon, o Grão Mestre da Ordem Martinista, o qual mantém as atividades desta até 1942, quando então é oficialmente dissolvida durante a segunda Guerra Mundial.

Entre os bispos consagrados por Chevillon estava Arnold Krumm-Heller, o fundador da Fraternitas Rosacruciana Antiqua (F.R.A.), a qual passa a englobar também o legado gnóstico.

Em 1945, já após a morte de Chevillon, a E.G.U. reinicia suas atividades e em 1960 Charles-Henry Dupont (Tau Charles-Henry) – seu então patriarca – renuncia sua autoridade em favor de Ambelain, o qual havia conseguido uma grande notoriedade com seus escritos. Ambelain, então, dissolve a E.G.U. em favor de sua l’Église Gnostique Apostolique.

A l’Église Gnostique Apostolique em 1970, através de linhas sucessórias cruzadas em Tau Pierre (Pedro Freire), passa a caminhar associada à l’Église Gnostique Catholique Apostolique, porém, ambas em 1978 também passam a repousar como organizações internacionais após a declinação ao patriarcado por parte de Fermin Vale-Amesti (Tau Valentinus III).

Embora o ramo americano da l’Église Gnostique Catholique Apostolique tenha mantido suas atividades até 1989, após a morte do Primaz Roger Saint-Victor Herrad (Tau Charles) suas atividades passaram também a se restringir em focos isolados de atividade por parte de bispos remanescentes.


O Martinismo e a E.G.U.

Em 1911 foi assinado um tratado de aliança entre a Ordem Martinista de Papus e a E.G.U.. O tratado que mencionava o Conselho Supremo da Ordem Martinista (com sede em Paris) e o Conselho Supremo do Alto Sínodo da E.G.U. (com sede em Lyon) como poderes signatários e representados por seus delegados munidos dos poderes necessários, dizia:

1-) Um tratado de aliança é assinado entre as duas Potências;

2-) A Ordem Martinista reconhece Jean II como patriarca regular da Igreja Gnóstica, que foi consagrado regularmente, munido de todos os poderes necessários de consagração e a quem reconhecemos unicamente como Patriarca;

3-) Os bispos gnósticos consagrados por Jean II serão admitidos a título honorário como membros do Conselho Supremo Martinista. Os membros titulares do Conselho Supremo Martinista serão admitidos a título honorário como membros do Conselho Supremo do Alto Sínodo da E.G.U.;

4-) Uma central da E.G.U. será organizada em Paris sob o comando do Patriarca Jean II, de Lyon. A revista L’Initiation será o órgão oficial da E.G.U..

O presente tratado é ratificado pelas duas Potências que assinam mais abaixo. Com esta aliança fraternal, todos os delegados Martinistas que desejarem fazer parte da E.G.U. poderão dirigir-se ao Conselho Supremo Martinista.



Papus e o Martinismo de Jean Bricaud (Jean II)

Diz-nos Philippe Encausse (6) que segundo um artigo escrito por Constant Chevillon, Jean Bricaud começou a difundir o Martinismo em 1914, na cidade de Lyon, e sob os regulamentos adotados por Jean-Baptiste Willermoz e Antoine Pont, seu sucessor. Também dá a entender, segundo a biografia de Bricaud – escrita por Chevillon – que ele (Bricaud) estava em desacordo com o Martinismo de Papus, por não haver recebido a tradição Willermozista. Jean Bricaud morreu em Lyon, em 21 de fevereiro de 1934.

Philippe Encausse reproduz um artigo publicado nos Annales Initiatiques que diz: O Alto Sínodo da Igreja Católica Gnóstica, a Ordem da Rosa+Cruz Kabalística e Gnóstica, o Conselho Supremo Universal da Ordem Martinista, o Soberano Santuário do Rito Antigo e Primitivo de Memphis-Misraïm, o Comitê Diretor da Sociedade Ocultista Internacional se inclinam sobre a tumba de Jean II Bricaud, chamado ao seio do eterno Pleroma em 21 de fevereiro de 1934. Foi Patriarca Gnóstico Universal de 1908 a 1934, Reitor da Rosa+Cruz, Grão Mestre da Ordem Martinista, Grande Hierofante para a França do Rito de Memphis-Misraïm e Presidente da Sociedade Ocultista Internacional de 1918 a 1934. Diebus vitae mortalis suae Verbi Lucis servus. Nunc consummatus est in unitate Dei Patris et in Paracleti charitate.


Notas

(1) Embora as denominações de Perfeitos (Parfaits) e Perfeitas (Parfaites) tenha sido original do Catarismo, elas não assumem aqui o sentido de extremo ascetismo que possuíam entre os Cátaros; e se referem unicamente aos membros da congregação, sendo também muitas vezes associadas por Doinel com os conceitos deixados por Valentinus sobre as duas divisões superiores da raça humana – os Pneumáticos e os Psíquicos, únicos passíveis de serem “Perfeitos ou Perfeitas”;

(2) As relações do quarto Evangelho com o Gnosticismo são gritantes, a se perceber pelo versículo que o abre: “No princípio era o Logos...”;

(3) Um valentiniano posterior, célebre por suas colocações a respeito da mística dos números e das letras;

(4) Ou seja, “espiritualmente eficazes”;

(5) Era comum na época a excomunhão, por parte do Papado, dos membros de quaisquer Ordens de caráter esotérico que, por ventura, viessem a ter sua afiliação exposta;

(6) Sciences Occultes. Papus, Sa Vie, son oeuvre. Philippe Encausse. Editions Ocia, 1949.