VICTOR BLANCHARD – Um breve resumo de sua vida e obra

Victor Blanchard (1878-1953) foi, entre as duas Guerras Mundiais, o Soberano Grão-Mestre da Ordem Martinista & Sinárquica sob o nome iniciático de Paul Yesir. Além disso, foi um importante funcionário da administração do governo, elevando-se até se tornar líder do Secretariado Geral dos Membros do Parlamento da França. Ele era um colaborador próximo de Papus, com quem organizou o Congresso Espiritualista de Junho de 1908. Por um curto período ligado a Guénon, ele dissolveu esta aliança após o caso da Ordem Renovada do Templo. Por fim, era um discípulo e grande admirador de Saint-Yves d’Alveydre. De acordo com Jean Mallinger (Sâr Elgrim), seus conhecimentos sobre Magnetismo e literatura sacra do Antigo Egito eram extraordinários.

Após a Primeira Guerra Mundial, Blanchard não reconheceu o Grão-Mestrado de Jean Bricaud como o líder do Martinismo, e com alguns antigos membros do primeiro Conselho Supremo, fundou sua própria Ordem Martinista & Sinárquica, em 3 de Janeiro de 1921. Na ausência de regras bem definidas com relação à nomeação ou sucessão de um Grão-Mestre (a Ordem Martinista havia sido fundada pelo próprio Papus), é impossível dizer qual deles, Bricaud ou Blanchard, era o legítimo Grão-Mestre. Por outro lado, existiam diferenças entre as duas Ordens Martinistas. Bricaud, que tendia a se colocar na tradição dos Elus-Cohen de Martinez de Pasqually e de Willermoz, somente permitia o acesso à sua Ordem aos homens e que também fossem Mestres Maçons, continuando assim as tentativas de Téder para vincular o Martinismo com a Maçonaria. Blanchard, por sua vez, permaneceu um praticante do sincretismo esotérico como praticado por Papus, e de modo semelhante, permitia o acesso das mulheres e não exigia nenhuma graduação maçônica. Blanchard “ligou-se” a Saint-Yves d’Alveydre, e então acrescentou ao nome de sua Ordem o epíteto Sinárquica. Sem dúvida, que trabalhando no Secretariado dos Membros do Parlamento, ele aspirou a influenciar o curso dos eventos políticos através de suas atividades ocultas, e por sua disseminação dos ideais da Sinarquia.

Victor Blanchard era também um maçom do Grande Oriente da França – onde ele foi membro do Grande Colégio de Ritos, bem como um alto dignitário de outras Ordens ocultas como: A Igreja Gnóstica Universal de Bricaud (sob o nome de Tau Targelius) e A Ordem Kabalística da Rosa+Cruz, ambas as organizações sendo dirigidas por Lucien Mauchel (conhecido como Chamuel e falecido em 1936). É preciso dizer que estas organizações eram distintas d’A Igreja Gnóstica Católica e d’A Ordem da Rosa+Cruz Kabalística e Gnóstica, que foram dirigidas por Bricaud e posteriormente por Chevillon. Blanchard ainda foi membro da Ordem do Lírio e da Águia (que em seus graus mais elevados confere a iniciação da Rosa+Cruz do Oriente), na qual era Comendador desde 1918; era Presidente desde 1933 da Fraternidade dos Polares (ao menos do grupo de Paris); e, finalmente, na Ordem Pitagórica, graças às ligações criadas pela F.U.D.O.S.I., obteve o quarto e último grau: Arconte das Artes e Ciências. Ele foi um dos mais entusiásticos fundadores da F.U.D.O.S.I., que lhe permitiu continuar a ação internacional começada em Junho de 1908 com Papus e lhe conferia uma nova legitimidade diante de Chevillon – que como sucessor de Bricaud ele não reconheceu. Em 1934, designado como Sâr Yesir, foi apontado um dos três Imperators da F.U.D.O.S.I., com jurisdição especial sobre o Martinismo e países do Oriente (Sâr Hiéronymus sendo Imperator para a Europa e Sâr Alden para as Américas). Augustin Chaboseau o substituiu como Imperator em 1939.


Blanchard vs. Bricaud

Jean Bricaud consagrou Victor Blanchard como Bispo em 5 de Maio de 1920. Apesar desta consagração, a atitude de Blanchard para com Bricaud logo se tornou intensamente hostil, a se julgar pelas passagens seguintes de Robert Ambelain (Le Martinisme, 1946, pág. 150) onde se encontram também elementos que minam a legitimidade de Bricaud sobre a transmissão de Téder: “que zombou de Bricaud, discípulo de Vintras e repreendido por ele por ter criado a Igreja de Carmel e a Igreja Joanita (bem antes da Igreja Católica neo-Gnóstica), e por fazer o papel de sacerdote interino”.

“A respeito dos direitos alegados para o Grão-Mestrado da Ordem Martinista, há também diversas testemunhas que eu posso me recordar. Uma das testemunhas ainda está vivendo aqui em Paris (nota do tradutor: isto em 1946). Irmão Nicholas Choumitsky (de quem Ambelain recebeu a filiação Russa), vindo de uma antiga família russa de Martinistas... aluno e discípulo de Charles Barlet, disse-me: Eu retornei para França em 1919. Téder havia falecido. Eu perguntei para Chacornac Snr quem era portanto o Grão-Mestre da Ordem Martinista, e ele respondeu: É Blanchard. Então eu entrei em contato com Blanchard. Uma reunião foi organizada entre Bricaud e Blanchard e teve lugar em um café. Blanchard compareceu com alguns membros de seu Conselho Supremo. Bricaud foi sozinho, levando consigo um documento – em uma moldura com vidro, que reivindicava que Téder o havia nomeado como seu sucessor. Blanchard ficou intensamente irritado, e após o exame do documento, a opinião unânime era de que aquele não era autêntico. Bricaud deixou a impressão naqueles que compareceram de ser uma pessoa superficial e de lhe faltar toda profundidade. Eu então me dirigi a Charles Barlet e lhe perguntei quem era o verdadeiro sucessor de Téder. Ele sorriu e disse que o Martinismo era um círculo cuja circunferência estava em toda parte e o centro em nenhum lugar. Pretendeu com isto dizer que não havia um Grão-Mestre. Mais tarde, a senhora Détré (esposa de Téder), disse-me que seu esposo não poderia ter designado um sucessor visto que não estava por completo pretendendo morrer! Segundo ela, Téder morreu como resultado de um ritual mágico”.

Em todo caso, há ainda um documento que coloca a sucessão de Bricaud em uma posição estranha. Este documento é principalmente para avisar aos dignitários da Ordem Martinista sobre a morte de Téder. O documento original ainda existe nos arquivos da Ordem Martinista. Foi assinado por Jean Bricaud 33º90º95º - Presidente do Conselho Supremo e Grão-Mestre Geral da Ordem. Foi publicado, deste modo, os dignitários da Ordem que foram avisados da morte de Téder, e Bricaud fez referência a si mesmo como Grão-Mestre Geral em seu lugar; os dignitários, portanto, não foram consultados. Não havia nenhum entre eles que tinham elegido Bricaud para o Grão-Mestrado. E, visto que Téder não havia nomeado qualquer um, como se pode ver, o resultado foi um pouco imediato também... Os Grandes Conselhos da Itália, Espanha e Grã-Bretanha, cortaram suas relações com o Conselho Supremo de Lion. Um grande número de Martinistas franceses juntou-se a Blanchard e à sua Ordem Martinista & Sinárquica, outros permaneceram isolados e juntaram-se doze anos mais tarde à Ordem Martinista Tradicional de Augustin Chaboseau.


Discurso de abertura ao Congresso Espiritualista e Maçônico de 1908

Victor Blanchard foi o secretário-geral do Congresso Espiritualista e Maçônico de 1908. Em seu discurso de abertura, ele se referiu ao congresso como o primeiro Congresso de Ocultismo autônomo e expressou em sua conclusão a esperança de ver todos os Ritos Maçônicos Franceses vindo a reforçar o exército de cavaleiros do idealismo Cristão.

Eis aqui uma passagem que exemplifica seu pensamento:

“A doutrina que agora tanto excita a sua curiosidade não é nova, digam o que possam dizer os críticos da história da filosofia.

Se nós recorrermos puramente aos documentos históricos, está nos mais famosos Santuários da Índia e Egito – herdeiros da sabedoria tradicional das raças negras, da Atlântida e da Lemúria, o nascimento da CIÊNCIA OCULTA.

De lá, o esoterismo difundiu-se para a China, Pérsia, Caldéia, Palestina, Grécia, Roma, países Gauleses, Alemanha e sobre toda a face da Terra.

Não nos esqueçamos de que esta filosofia, ao mesmo tempo humana e divina, inspirou poderosamente todos os fundadores das grandes religiões antigas, entre eles: Rá, Confúcio, Krishna, Zoroastro, MOISÉS e Buda. É daí que os célebres Legisladores de eras passadas extraíram seus costumes mais sábios. É desta fonte sublime que a maioria dos poetas, filósofos e sábios da Antigüidade e de épocas modernas extraíram a melhor parte de suas grandes e brilhantes idéias. Um a redescobre oculta sob o texto literal de todas as Sagradas Escrituras do Oriente e do Ocidente, nas parábolas de Jesus, e até nas Epístolas de São Paulo. Foi detida por determinados padres da Igreja, Gnósticos, Trovadores, Alquimistas, líderes de guildas medievais, e pela elite intelectual dos Templários, que escapando da tortura e do derramamento de sangue, transmitiram-na mais tarde através de intermediários da Rosa+Cruz, Maçons e Martinistas.

HERMETICISMO é a síntese científica, filosófica, religiosa e social do passado, presente e será, sem dúvida, aquela do futuro.

O teólogo, o filósofo, o cientista, o médico, o moralista ou o sociólogo devem fazer esforços para estudar o Ocultismo, onde somente, eles encontrarão ao mesmo tempo com as melhores soluções para os enigmas teológicos, cosmológicos, antropológicos e sociológicos, os elementos que revivificarão o seu conhecimento atual, bem como o regenerar do corpo humano, da alma, e de toda sociedade.

O historiador, o escritor e o artista ganharão também com estes estudos um pouco abstratos. O primeiro descobrirá a explicação de muitos fatos obscuros e incômodos; o segundo penetrará facilmente o sentido mais elevado de mitos antigos aparentemente absurdos e de fábulas orientais, e poderá melhor decifrar os mistérios da alma humana. O terceiro poderá contemplar sem se cansar, as diferentes formas que revelam a Beleza Suprema neste mundo como nos outros planos do Universo manifestado, e conseqüentemente poderá dar-lhes uma expressão física mais satisfatória do que aquelas que foram produzidas antes.

Quanto àqueles que são atormentados pelo profundamente angustiante problema da vida após a morte, eles irão logo compreender através da exposição às nossas doutrinas, nós esperamos, a racional certeza da experiência direta da imortalidade de sua essência consciente e espiritual, compreenderão que a Divindade quer o melhor para todas as suas criaturas, e que o Céu, o Purgatório e o Inferno dos ingênuos teólogos nada mais são do que as situações físicas e morais nas quais nossa alma se encontra durante todo o desenvolvimento de sua carreira eterna. Irão saber que a Reencarnação, ensinada nas antigas escolas de mistérios, exatamente como o era na Igreja Cristã original, e nas modernas iniciações, é um dos múltiplos meios utilizados pela Bondade Soberana (ou Deus Supremo), a fim de acelerar a evolução anímica, intelectual e espiritual de cada um de nós. Irão ver que o homem é elaborado incessantemente através das circunstâncias, que deve presidir durante sucessivas vidas no tempo e no espaço. Reconhecerão que os seres humanos estão todos unidos a cada um, não somente em ações, mas também em palavras e, sobretudo, em pensamento. Por estes meios é que irão preparar conscientemente o Advento na Terra da Verdadeira Fraternidade e do Reino do Espírito Santo, ou da Ciência aliada à Fé, da Razão unida à Intuição, uma fusão duradoura e celestial que a Festa de Pentecostes simboliza tão bem”.

(Nota: A Festa de Pentecostes, em 1908, caiu em 7 de Junho, o dia da abertura do Congresso).


Os Polares e A F.U.D.O.S.I.

A Fraternidade dos Polares, que esteve muito ativa durante os anos 30, mesmo não sendo muito conhecida, desperta um grande interesse em nós pelas seguintes razões: se situa na tradição rosacruciana; foi fundada por dois italianos, Mario Fille y Cesare Accomani, que se conheceram no Egito, lugar obrigatório de peregrinação para todos os iniciados; os Polares fizeram escavações em Montségur, que consideravam como o castelo do Graal, e assim contribuíram para o desenvolvimento do mito do Graal Pirenaico – iniciado por Péladan; alguns dos Polares foram os divulgadores do ideal sinárquico; e, finalmente, a Fraternidade dos Polares esteve associada por um momento à F.U.D.O.S.I. bem como Victor Blanchard foi seu Presidente desde 1933.

De acordo com a lenda de sua fundação, a Fraternidade dos Polares tem sua origem a partir do encontro, em 1908, nas montanhas do norte de Roma, entre Mario Fille e um misterioso eremita, o Padre Julien. Este havia entregado a Mario Fille um maço de antigos pergaminhos que incluíam um método divinatório chamado O Oráculo da Força Astral; Fille não deu muita importância inicialmente, pois este era um método esmerado e longo. Doze anos mais tarde, Mario Fille conheceu no Egito um compatriota seu, o músico Cesare Accomani, que muito se entusiasmou por este método baseado em princípios numerológicos. O método consistia de formular uma pergunta em italiano, adicionando um nome e o nome de solteira de uma mãe, convertendo-os em números e fazendo com eles determinadas operações matemáticas. Após várias horas de trabalho, uma série de números surgia e estes eram re-convertidos em letras dando uma convincente e gramaticalmente correta resposta à pergunta. O oráculo nunca deixou de se comportar com confiabilidade perfeita, embora as respostas estivessem às vezes em inglês ou em alemão. Fille era obediente às ordens do Padre Julien – somente ele possuiu a chave para seu uso. Ambos experimentaram o oráculo; então se deram conta de seu poder particularmente eficaz, que permitia entrar em contato com o Centro Esotérico Rosacruciano nos Himalaias, dirigido pelos Três Supremos Sábios ou as Pequenas Luzes do Oriente, que se propunha a prepará-los para o Advento do Espírito sob o sinal da Rosa e da Cruz. Isto foi em resposta a uma das primeiras perguntas feitas ao oráculo: “Quem são vocês?”. Em 1929, o oráculo lhes confiou a missão de reconstituir a Fraternidade dos Polares, cujos membros haviam se dispersado no século XV devido ao ódio à Verdadeira Luz e lhes indicou um local que deveriam se restabelecer em Paris. Em 1930, foi publicado o manifesto da Fraternidade dos Polares, Asia Mysteriosa, assinado por Zam Bhotiva (pseudônimo de Cesare Accomani) e seu templo se instalou no número 36 da Avenida Junot, no bairro de Montmartre.

O Padre Julien desapareceu em 1908, mas continuou enviando suas mensagens por intermédio do oráculo, e através dele revelou que era um emissário da Grande Loja Branca dos Himalaias. Por fim, o Padre Julien realizou sua última comunicação em 8 de Abril de 1930, anunciando sua iminente morte. É interessante notar que o primeiro número do Boletim dos Polares apareceu em 9 de Maio de 1930, e estava trazendo as mensagens do Padre Julien de uma maneira mais moderna. E, surpreendente coincidência, o ocultista napolitano Giuliano Kremmerz (cujo primeiro nome é a forma italiana de Julien), fundador da Fraternidade Templária e Mágica de Myriam, que até então não havia sido citado em relação aos Polares, entrou em coma em 7 de Maio de 1930, falecendo no dia 16 deste mesmo mês, depois de haver predito sua própria morte.

Accomani e Fille se associaram com muitas personalidades influentes, como os jornalistas Fernand Divoire e Jean Dorsenne, os escritores Jean Marques-Rivière e Maurice Magre, e os ocultistas sinarquistas Victor Blanchard, Jeanne Canudo e Vivian du Mas. O próprio René Guénon participou durante um breve período desta iniciativa. Encontram-se também os nomes de alguns outros altos iniciados da Fraternidade como: Henri Meslin de Champigny (Bispo Gnóstico sob o nome de Tau Harmonius), Monsenhor Lesétre (Bispo Católico Romano) e Jean Chaboseau (filho de Augustin Chaboseau).

Os Polares se diziam depositários da Tradição Boreal de Thule, e é daí que seu nome deriva, de modo que foram conectados a uma tradição “Polar” e o que era sua missão, por exemplo, o jornalista Jean Marques-Rivière em sua contribuição para Asia Mysteriosa, menciona que Emmanuel Swedenborg e a vidente do começo do século XIX, Catherine Emmerich, tinham acreditado em um centro espiritual no Tibet ou na Tartária: “este centro tem como sua missão, ou melhor, sua razão de ser, a direção das atividades espirituais da Terra”.

O Boletim dos Polares em 9 de Junho de 1930 explica:

“Os Polares trazem este nome porque em todas as épocas, a Montanha Sagrada, que é o local simbólico dos Centros Iniciáticos, tem sido sempre qualificada por diferentes tradições como Polar. E pode muito bem ser que esta Montanha tenha realmente sido uma vez Polar, no sentido geográfico do termo, visto que se afirma em todos os lugares que a Tradição Boreal (ou Tradição Primordial, fonte de todas as tradições) teve originalmente lugar nas regiões Hiperbóreas”.

As cerimônias eram particularmente impressionantes, os adeptos se reuniam usando vestes encapuzadas. A história interna da Fraternidade é pouco conhecida – seus arquivos foram confiscados pelos nazistas. Parece que houve muitos problemas para encontrar o Grão-Mestre que estava por vir segundo o anúncio do oráculo. Após uma nova comunicação vinda do oráculo, alguns Polares se apressaram a ir para Montségur e Lordat, onde escavaram inutilmente buscando o Graal e o Tesouro dos Albigenses. A Fraternidade esteve associada à F.U.D.O.S.I. em 1937 e 1938; foi em seu templo, na Avenida Junot, que a Convenção de Agosto de 1937 da Federação teve lugar.

Os Polares se orgulhavam de suas tentativas para proteger a França através de sua ação magnética, mas parece que a Segunda Guerra Mundial destruiu todos os seus esforços e, aparentemente, a Fraternidade não sobreviveu.

Em 1939 Victor Blanchard foi expulso da F.U.D.O.S.I., segundo Jean Mallinger. A razão citada é que em 14 de Julho de 1938, Blanchard se auto-consagrou como Grão-Mestre Universal da Rosa+Cruz e de todas as Ordens Iniciáticas do mundo inteiro, enviando uma proclamação para cada Grão-Mestre da Federação solicitando lealdade e reconhecimento de sua nova dignidade. Como resultado, alguns membros deixaram a Ordem Martinista & Sinárquica, entre eles, Georges Lagrèze (Sâr Mikael) e Jeanne Guesdon (Sâr Puritia), sendo que uma parte deles juntou-se à Ordem Martinista Tradicional de Augustin Chaboseau. Blanchard foi também substituído em todas as suas outras altas funções. Somente os Polares e a Ordem Martinista & Sinárquica permaneceram leais a ele. Contudo, foi mais tarde, na Convenção de Agosto de 1946, reintegrado à F.U.D.O.S.I., mas não mais apontado como Imperator. Seria depois, em 1951, um daqueles que colocariam um final à Federação.



Bibliografia

Maçonnerie Égyptienne, Rose-Croix et néo-Chevalerie, Gérard Galtier, Ed. du Rocher, 1989;

L’Occultisme en France: L’Eglise Gnostique, René Le Forestier, Ed. Archè, Milano, 1990;

Arktos: the Polar Myth, Joscelyn Godwin, Ed. Thames and Hudson, 1993.

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Agradecimentos ao Ir::: Elias Ibrahim por este artigo. Traduzido, adaptado, revisto, corrigido e ampliado pelo Blog.

Os Rosa-Cruzes Essenciais por Sédir (*)

Há seres sedentos de amor e de sacrifício que, após séculos e séculos de lutas e obras, alcançado o ápice da Ciência e do Poder, reintegrados misticamente no esplendor original de sua condição de homens, não podem suportar o espetáculo doloroso de seus irmãos ainda perdidos nos laços da paixão e ignorância. Isso os leva a serem reenviados à Criação e a participarem novamente de suas dores e de suas tentações. São missionários, os apóstolos, os místicos puros, os verdadeiros Rosa-Cruzes. Ruysbroek, o Admirável, os chama de crianças secretas do Senhor. Sua doutrina é indizível, pois eles professam que não se deve saber nada sem estar antecipadamente convencido da própria ignorância. Seu livro é o Evangelho. Sua prática é a imitação de Jesus Cristo.

Essa teoria e essa prática parecem simples. No entanto, não há nada mais elevado a ser concebido e mais difícil de executar. As mais abstrusas especulações dos metafísicos hindus ou as autoridades mais espantosas de seus yogues desaparecem perante a terrível profundidade das máximas e dos ensinamentos evangélicos. Mas esses só podem ser compreendidos por quem já superou, com trabalho e sofrimento, a extremamente limitada natureza humana.

Falar dos Rosa-Cruzes é coisa por pouco quase impossível. Eles formam uma organização invisível. Não deram eles a si mesmos o qualificativo de “invisíveis”? Cavaleiros do Espírito, eles nada revelam a não ser o Espírito, eles não podem ser conhecidos a não ser pelo Espírito. O Espírito é livre de toda limitação, os eleva além de toda contingência. Ele lhes nutre, lhes inspira, lhes conforta. Ele lhes ressuscita após cada uma das mortes inumeráveis que constituem a existência na relatividade dos apóstolos de Deus e de Seu Cristo. Vivendo do Absoluto, eles vivem no Absoluto.

Eles próprios nos fazem compreender o mistério da união espiritual entre os irmãos através do espaço e do tempo, da união espiritual com seus pares e êmulos (1), discípulos do mesmo Mestre, devotados ao mesmo apostolado. Conforme o que o Cristo disse aos seus discípulos: “Onde eu estiver, vós aí estareis”.

Mas do mesmo modo que o homem sabe apenas captar a divindade em sua manifestação, os homens não podem perceber os Rosa-Cruzes, mensageiros divinos, à não ser em suas manifestações.

“É sempre em um período crítico que se ouve falar neles. Eles chegam à época e no país onde uma forma social, tendo atingido sua completa realização, tende já a se alterar; quando os esforços lentos e contínuos do espírito humano, em vez de convergirem, como o tinham feito até então, na constituição e na afirmação de um organismo social, de um dogma religioso, de uma síntese científica, começam a divergir e abalam o edifício construído pelas gerações precedentes” (2).

Seu nome é o de sua função.

Eles podem, se quiserem, ser invisíveis aos homens e incógnitos; se eles o desejarem, podem viver no meio dos homens e como eles; são livres, mas de todo o modo, se apresentam àqueles a quem vieram socorrer. Adotam os costumes dos países onde se encontram. E, com efeito, podem viver no meio dos homens sem risco de serem identificados; apenas seus pares os reconhecem por uma certa luz interior. O Cristo disse: “O mundo não vos conhece”.

É por isso que, quando eles mudam de país, mudam também de nome (3). Eles podem se adaptar a todas as condições, a todas as circunstâncias, falar a cada um em sua língua.

Eles agem a fim de que o que eles têm a dizer ao mundo seja dito. Aqueles que escrevem ou falam seu nome exprimem tão fielmente quanto podem os pensamentos, as inspirações que lhe são transmitidas pela via espiritual.

Do mesmo modo, esses arautos do Absoluto não inspiram seus apologistas quando eles só se preocupam em refutar seus detratores. Esses, como aqueles, se comportam de acordo com os que são capazes de ver a luz que têm diante de si.

“Estrangeiros e viajantes na terra” (4), não desejam nada do mundo, nem beleza, nem glória, nada além de fazer a vontade de Deus, eles querem levar os fardos dos fracos, reanimar os mornos, restabelecendo por toda a parte a harmonia. Eles passam e o deserto torna-se um prado; eles falam e os corações se abrem ao apelo do Divino Pastor. Eles preparam o caminho para Aquele que deve vir.

Mas quem conhecerá as fadigas, quem enumerará os martírios sempre desconhecidos que aceitam, em seu imenso amor, esses pastores do Pai, para reconduzir as ovelhas indóceis que somos? O grande Cagliostro o disse nesses termos tocantes: “Eu venho do Norte, da bruma e do frio, abandonando por onde passo alguns pedaços de mim mesmo, me esgotando, me reduzindo a cada etapa, mas vos deixando um pouco de claridade, um pouco de calor, um pouco de força, até que eu seja, enfim, detido e parado definitivamente no fim de minha carreira, na hora em que a rosa florescerá sobre a cruz” (5).

Assim eles têm passado, imperceptíveis, no meio dos homens, para esclarecê-los e levá-los à Vida. Eles são vindos para recordar às criaturas as palavras pronunciadas nos séculos remotos, para despertar nelas o eco, que tinha se extinguido, das vozes que fizeram vibrar antigamente os seus corações. Eles são vindos para trabalhar em prol da renovação espiritual, da obtenção por esforços cotidianos dessa luz que ilumina todo homem vindo ao mundo e que nós repelimos, que nos obscurecemos pelos nossos desejos egoístas. Essa, têm eles dito, é a única via da regeneração individual, da redenção coletiva.

A iniciação Cristã, com efeito, não tem por alvo, como as iniciações do Extremo Oriente, a orientação metafísica de atingir um grau superior de Saber: seu alvo é a Vida. Ora, a Vida é Amor e o pensamento é a imagem invertida da Vida. O Amor é o único intérprete verídico da Verdade; o Amor é a sabedoria suprema, conforme com o que está escrito: “Aquele que ama Deus é aquele que conhece Deus” (1 João, IV, 7).

A organização interior da fraternidade não foi revelada, nem seus segredos. Esses se referiam, exteriormente, à transmutação dos metais, à arte de prolongar a vida, à descoberta de coisas ainda ocultas. Mas os Rosa-Cruzes se davam por magos a fim de mascarar seu verdadeiro pensamento, seu objetivo primordial: a reforma do mundo, da qual eles eram os agentes predestinados. E isso que, por baixo de tudo, espanta o leitor dos escritos rosacruzes. Mais que os procedimentos que eles apresentavam para obter a pedra filosofal ou o elixir do prolongamento da vida, mais que o método que eles preconizavam para atingir a certa fórmula do saber, os Rosa-Cruzes levaram os europeus do século XVII arruinados pela guerra, divididos entre o catolicismo e o protestantismo, desagregados em sua mentalidade pelo espírito de crítica, palavras de concórdia e de apaziguamento. No meio do egoísmo universal, eles recordaram aos homens que eles são irmãos, filhos do mesmo Pai; no meio da anarquia crescente, eles falaram do Libertador, eles repetiram que o Cristo desceu e que Ele retornará para reunir em um só coro Seus serviços dispersos.

Eis a mensagem trazida ao mundo pelos Rosa-Cruzes.


ELIAS ARTISTA

A Rosa-Cruz essencial existe desde que há homens sobre a terra.

Além do Sol amarelo que nos ilumina, há seis outros sóis ainda invisíveis que fazem viver a terra. Nosso Sol amarelo tem o propósito de produzir a assimilação das funções vitais. Um outro Sol, o Sol vermelho, tem por ofício a construção dos corpos terrestres: ele rege a morfologia, as afinidades físicas, químicas, intelectuais, sociais. Esse Sol vermelho é a residência do ser que Paracelso, o primeiro aqui embaixo, chamou Elias Artista.

Elias Artista é o anjo da Rosa-Cruz. Ninguém pode saber quem ele é, nem aquilo sobre o que ele repousa. Tudo o que se pode dizer é que ele é uma força atrativa, harmonizante e que ele tende a reunir os indivíduos em um só corpo homogêneo.

Eis como se expressa Stanislas de Guaita:

“Elias Artista é infalível, imortal, além disso, inacessível às imperfeições, como às impurezas e aos ridículos dos homens de carne que se oferecem a manifestá-lo. Espírito de luz e de progresso, ele se encarna nos seres de boa vontade que o evocam. Se eles tropeçam no caminho, eis que o artista Elias não está mais neles”.

“Fazer mentir o verbo superior é coisa impossível, ainda que se possa mentir em seu nome. Pois cedo ou tarde ele encontra um órgão digno de si (nem que seja por um minuto), uma boca fiel e leal (nem que seja pelo tempo de pronunciar uma palavra)”.

“Por esse órgão de sua escolha ou por essa boca de coincidência, o que importa? Sua voz se faz ouvir, potente e vibrante dessa autoridade serena e decisiva que empresta ao verbo humano a inspiração do Alto. Assim, são desmentidos na terra aqueles que sua justiça condenou no abstrato”.

“Guardemos-nos de falsear o espírito tradicional da Ordem; reprovados no alto na mesma hora, cedo ou tarde seríamos negados aqui em baixo pelo misterioso demiurgo que a Ordem saúda pelo nome: Elias Artista”.

“Ele não é a Luz; mas, como João Batista, sua missão é a de dar o testemunho da Luz da Glória, que deve se irradiar de um novo céu sobre uma terra rejuvenescida. Que ele se manifesta pelos Conselhos fortes e que ele derruba à pirâmide das santas tradições desfiguradas pelas heterogêneas camadas de detritos e de remendos que vinte séculos tem acumulado sobre ela! E que enfim, os caminhos estando por ele abertos para o advento do Cristo glorioso – sua obra estando concluída – desaparecerá na névoa maior o precursor dos tempos vindouros, a expressão humana do santo Paracelso, o daimon da ciência e da liberdade, da sabedoria e da justiça integrais: Elias Artista!” (6).

Por outro lado, se nós quisermos encarar o sacerdócio de Melquisedeque, cujo sacrifício é a prefiguração da Eucaristia, teremos que nos recordar que os sacerdotes “da Ordem de Melquisedeque” constituem não uma ordem social, mas um sacerdócio cujo sacramento, representado pelo pão e pelo vinho, é o sacrifício de si mesmo ao próximo, por amor a Jesus Cristo e pela unidade com Ele.

Em nossa opinião, Elias Artista é uma adaptação do Elias bíblico, que deve retornar no fim dos tempos, com Enoque, para desempenhar seu papel de testemunha do binário universal. Seria prematuro dizer quem foi Elias Artista ou quem ele será. Tudo o que é útil saber é que esse nome designa uma forma do Espírito da Inteligência.

É isso que entendiam os Rosa-Cruzes quando eles diziam que no dia C eles se reúnem em um local que se chama o Templo do Espírito Santo. Mas onde é esse lugar? (7) Eles próprios não o sabem, porque, dizem eles, é invisível.

Nós nos permitimos indicar aos nossos leitores, se eles quiserem aprofundar o estudo desse tema misterioso, de meditar na história de Enoque, pai simbólico da Rosa-Cruz, inventor da tradição e da ciência e construtor de monumentos dos quais a lenda lhe atribui a paternidade.


(*) Tradução do Capítulo II, págs. 21-26 de Les Rose-Croix, de Sédir, Bibliothèque des Amitiés Spirituelles, Paris.


Notas do autor

(1) O itinerário das viagens de Christian Rosenkreutz indica bem as filiações da fraternidade rosacruciana com outras tradições, principalmente com certos centros instalados no Egito e com certas fraternidades muçulmanas que o pai encontrou em Fez;

(2) L’Évangile de Cagliostro, traduzido do latim para o Francês e publicado pelo Dr. Marc Haven (Lalande), Paris, 1909 - Introdução. Edição espanhola: El Evangelio de Cagliostro, Editorial Humanitas, Barcelona, 1987;

(3) O nome é o símbolo da individualidade;

(4) Hebreus, capítulo XI, versículo 13;

(5) Mémoire pour le Comte de Cagliostro accusé, contre le Procureur Général, Paris, 1786;

(6) Stanislas de Guaita: Essais de Science Maudite – Trilogie, Paris, 1897, 1915, 1949;

(7) Christoph-Stephan Kazauer, resp. J. Ludwig Wolf: Disputatio Historica de Rosaecrucianis, Wittenberg, 1715.